Um intervalo de duas décadas separa a atual retrospectiva de Seydou Keïta (1921-2001), no Instituto Moreira Salles (IMS-SP), de duas importantes participações suas em mostras no Brasil, em 1998. Naquele ano, o fotógrafo malinês – reconhecido no início dos anos 1990 por uma valiosa produção de retratos em estúdio do período que antecedeu a independência no país, em 1960, – foi um dos artistas da 24ª Bienal de São Paulo, histórica edição dedicada à Antropofagia, e da mostra África por ela mesma, na Pinacoteca do Estado. Quatro anos antes, Keïta havia realizado uma grande exposição na Fundação Cartier, em Paris – contribuição decisiva para sua consagração tardia, processo que ecoava também na cena institucional brasileira.
Apesar da importância dos eventos e do reconhecimento global naquele período, a obra de Keïta não despertou um particular interesse no Brasil. Na cobertura da imprensa sobre a Bienal da Antropofagia, seu nome aparece como uma breve menção entre os artistas incluídos no núcleo Roteiros da África, parte do segmento criado pelo curador Paulo Herkenhoff para abordar uma produção internacional descentralizada, com sete eixos temáticos. Embora o pós-colonialismo fosse uma das vertentes teóricas daquela edição, as discussões sobre a arte de matriz africana e o diálogo com uma produção afro-brasileira só iriam reverberar por aqui muitos anos depois.
Forma estigmatizada
Uma reportagem publicada na revista da Folha de São Paulo naquela época sobre a coletiva na Pinacoteca traz indícios interessantes da forma estigmatizada como o assunto ainda era tratado. Com o título “Você conhece a África?” e ilustrada com uma foto de Keïta, a matéria aparece em uma seção com o nome de “Plural”, ao lado uma coluna “GLS”. A aproximação de assuntos tão distintos pelo viés da diversidade já seria questionável. Mais surpreendente, no entanto, são os anúncios eróticos que cercam a página do texto sobre a exposição – uma edição que no mínimo não leva em conta o histórico de erotização e fetichismo da cultura africana e o risco de se associar os dois temas.
Exatos 20 anos mais tarde, abordagens incautas como essa talvez pareçam impensáveis, especialmente quando os debates sobre questões raciais e a matriz cultural africana na arte brasileira se inseriram nos discursos institucionais. Embora a obra de Seydou Keïta não se encaixe na discussão associada a um contexto brasileiro, é interessante observar que sua retrospectiva acontece junto ao calendário do Masp com uma extensa programação anual dedicada aos intercâmbios afro-atlânticos. E no momento em que o CCBB exibe a mostra itinerante Ex Africa, com a produção de 18 artistas contemporâneos do continente e dois afro-brasileiros.