«A obra de Rosana Paulino desestabiliza modelos representacionais dominantes através de imagens desestabilizadoras. Enuncia e dá ênfase ao que mais se procura omitir. No vídeo Das Avós, há uma suspensão do tempo linear judaico-cristão ocidental– suspensão que acontece em outros trabalhos da artista – quando imagens de mulheres negras teoricamente pertencentes ao incômodo passado, fotografias produzidas historicamente como cartões de visita e ilustrações da escravidão, são buscadas e cuidadosamente trazidas à frente, relembradas, acarinhadas e costuradas junto ao corpo para jamais serem esquecidas ou encerradas no discurso que reprimiu suas subjetividades.
O corpo feminino negro coleciona uma sobreposição de opressões – de raça, gênero e classe. Mas é esse corpo feminino racializado que segue, em sua complexidade, irrepresentável pelas lentes brancocêntricas. Se falta linguagem e vocabulário às artes ditas ocidentais para lidar com tais existências, na série Senhora das Plantas (2022), Rosana Paulino através de significativas plantas para as culturas afro-brasileiras como a espada de iansã, costelas de adão, jiboia e bromélia, por exemplo, cria com uma natureza simbólica um regime de visibilidade que possibilita a percepção da complexidade da subjetividade negra feminina na diáspora e de seus arquétipos.
Ao pensar a diáspora a artista produz obras a partir do que incomoda e oferece, àquele que caminha por entre suas peças, o espelho para que se perceba também como parte de uma rede delicadamente entrelaçada: a Europa se beneficiou por inteiro com o tráfico atlântico. Não há inocência a ser preservada.
As imagens, nomenclaturas e estruturas de classificação tampouco são inocentes. Rosana Paulino acessa o arquivo que chamamos de história da arte branco-brasileira e revolve seu inventário que legitimou, por muito tempo, o projeto de Brasil como paraíso tropical, lugar de plantas, bichos e gentes exóticas, e confronta o ideal de tropicalidade e brasilidade perpetuado por essa ótica. Suas pinturas, desenhos e colagens guardam os indícios daquilo que a história escolheu recalcar. Indica o tempo das coisas no estado de Maafa, e a permanência do tempo nas estruturas.
Ainda que rígidas, tais estruturas assistem inertes, impotentes em sua força, ao desabrochar, à abertura, à teimosia e à eclosão daquilo que tem propósito. A rasteira, a surpresa, a ginga. Pequenos casulos parecem guardar uma subjetividade não permitida, entremeados de vontade, desejos e visões de um corpo negro que dribla a neurose cultural brasileira, brinca com o tempo e projeta vida.» – Lorraine Mendes
Mendes Wood DM
13 Rue des Sablons / Zavelstraat
1000 Brussels Belgium
+32 2 502 09 64
brussels@mendeswooddm.com
Tue – Sat, 11am – 7pm
Página web