Conversa com Jaime Lauriano

História e violência

O artista Jaime Lauriano aborda em suas obras tanto a ditadura militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985, quanto temas como a disputa de terra e o abuso de autoridade. Seu trabalho é fruto de uma pesquisa profunda em bibliotecas e arquivos públicos. “A essência do meu trabalho é investigar a questão da violência no Brasil. Busco no passado respostas para o que acontece no presente”, define.

C&AL: A questão da negritude surge com mais força em sua obra na individual “Autorretrato em Branco sobre Preto”, em 2015?

JL: A questão da negritude sempre esteve presente no meu trabalho, mas em 2014 ela emergiu com mais força e desde então venho tentando entender o que é ser negro no Brasil. Nessa exposição falo da Lei Áurea como um mecanismo do opressor para mascarar o trauma da escravidão, que não foi discutido e reparado no Brasil. O resultado é que essa realidade de opressão e desigualdade em relação à população negra continua a mesma. O Brasil lidera o ranking de assassinatos no mundo, aqui se mata mais gente por ano do que nas guerras da Síria e do Iraque juntas. E de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. A violência e o racismo estão introjetados no país e a gente precisa mexer nessa ferida se quiser construir uma sociedade mais justa.

C&AL: Como foi participar da Bienal de Bamako, no Mali, em 2015?

JL: Foi uma experiência muito forte, onde inaugurei na minha cabeça uma nova forma de pensar a África. Após visitar o Mali e o Marrocos, percebi que aqui a gente tem uma África processada, porque os africanos precisaram se reinventar e criar uma outra possibilidade de existência quando chegaram ao Brasil para trabalhar como escravos. Quero voltar para ficar um tempo maior, viajar por outros países e investigar as semelhanças e diferenças entre aquele continente e o nosso.

C&AL: Prêmios como Marcantonio Villaça, que você recebeu recentemente, foram ao longo da história majoritariamente concedidos a artistas brancos. O mesmo se dá na seleção para grandes exposições no país. Isso tende a mudar?

JL: Costumo dizer que não ganhei esse prêmio sozinho: ele é resultado de uma luta de três gerações de artistas negros contemporâneos, onde pontuam nomes como Emanoel Araújo, Rubem Valentim, Eustáquio Neves, Rosana Paulino, Sônia Gomes, Paulo Nazareth, Ana Lira, Michelle Mattiuzzi, Moisés Patrício…. Essa luta avançou nos últimos anos, a gente vem ganhando voz em eventos como a Bienal de Veneza e acho difícil silenciá-la agora. Mas não podemos ignorar que, a exemplo do Congresso Brasileiro, ainda temos um circuito de arte majoritariamente branco, masculino e que não representa a sociedade brasileira como um todo.

C&AL: É possível desenvolver um trabalho com teor social e político fazendo parte de uma engrenagem da indústria cultural, no caso, uma galeria de arte? Como lidar com essa contradição?

JL: Sim, a partir do momento em que você entende que o trabalho do artista não acontece apenas por meio de um objeto. Vejo a obra como uma mediação para que eu possa acessar outros lugares, como os grandes veículos de imprensa, e assim passar minha mensagem. Sem contar que também exponho as obras em espaços mais acessíveis, no caso, no meu site e nas redes sociais. Enfim, a galeria é uma instância e não “a” instância.

 

Ana Paula Orlandi é jornalista e escreve sobre cultura e comportamento há mais de duas décadas. Atualmente faz mestrado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

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