Ásia e América Latina

Andrea Chung: A Desmaterialização como Subversão da Mercantilização

Nascida nos EUA, em uma família caribenha com ascendência asiática, Andrea Chung encarna as complexidades de um mundo globalizado. De modo a criar conexões entre capitalismo e saúde a artista ressignifica materiais como o açúcar. Ao mesmo tempo, a desmaterialização do açúcar também permite que ela impeça a mercantilização de histórias negras de trauma.

Em ‘Im Hole ‘Im Cahner (2008), a artista recorta com precisão cirúrgica uma imagem de arquivo de pessoas trabalhando em plantations no pós-escravidão nas “Índias Ocidentais Britânicas”, para simbolicamente dar-lhes um dia de descanso. Em estratégia semelhante, em Caribbean Travel + Tourism (2014–2017), Chung utiliza anúncios contemporâneos de resorts caribenhos e remove as figuras de, presumivelmente, pessoas negras servindo pessoas brancas. Ela simbolicamente as liberta da função de prover descanso e entretenimento. A artista desmonta a transição de uma economia de serviços para outra, em que pessoas estrangeiras detêm o poder, enquanto pessoas do Caribe sucumbem à dinâmica do capital. Ao retirar ativamente pessoas negras das imagens, ela também confronta a ausência de histórias negras nas narrativas históricas, além de destacar a contínua exploração dessas pessoas ao longo do tempo. Em entrevista por telefone, a artista explica que seu trabalho é “como se [ela] estivesse colapsando o tempo; a narrativa pode ser sobre algo do passado, mas se relaciona diretamente com o que está acontecendo agora.”

O açúcar é um material recorrente nas instalações de Chung. Além de representar o principal produto extraído do trabalho escravo nas plantations, ele também se conecta a uma doença hereditária em sua família: o diabetes. Sua avó morreu enquanto tinha a segunda perna amputada devido à gangrena causada pelo diabetes. A artista moldou uma perna em homenagem à sua ancestral.

Esse projeto despertou na artista um amor pela natureza efêmera do material. O açúcar se transforma dependendo das condições de exibição ou armazenamento, alterando ao passo que acrescenta camadas de significado à obra. Isso impede que seu trabalho seja mercantilizado e, consequentemente, impede que histórias de trauma negro se tornem mercadoria.

Nessa linha, Chung desenvolveu Sink & Swim (2013), durante sua bolsa Fulbright em Maurício, onde viveu por um ano. Essa ilha no Oceano Índico compartilha uma história semelhante de escravidão, servidão contratada e economias de plantation. A artista moldou garrafas de bebida alcoólica em açúcar para refletir sobre as tradições de pesca com garrafas, desenvolvidas por pessoas ex-escravizadas que se tornaram pescadoras após a abolição da escravidão em Maurício. O derretimento eventual das garrafas no espaço expositivo une a desmaterialização da obra com o desaparecimento da prática tradicional de pesca, devido à pesca predatória.

Com o tempo, e de forma não planejada, o azul profundo dos cianótipos começou a permear a prática de Chung. A artista se interessou pelas possibilidades expressivas dessa técnica num momento em que estudava histórias ligadas ao oceano. Ela se interessou especialmente por narrativas sobre o movimento de espécies predadoras que invadem e destroem ecossistemas. Esse interesse aparece na obra Anthropocene (2014), em que ela aborda o caso do peixe-leão. Originário do Oceano Índico e do Pacífico oeste e central, o peixe-leão foi detectado pela primeira vez na Flórida na década de 1980 e, desde então, sua população cresceu drasticamente, a ponto de as autoridades de ilhas caribenhas incentivarem o consumo do animal como forma de conter a invasão e restaurar os ecossistemas nativos.

Tons dourados percorrem também a obra de Chung. Na série Crowning, a artista recorre à tinta dourada para reverenciar as mulheres presentes nas imagens de arquivo que compõem suas colagens. De modo semelhante, o açúcar moldado em suas instalações assume a aparência de peças de ouro — uma homenagem sensível ao que se representa, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, permite o desprendimento.

O processo de Chung é lento e laborioso. Um processo não escolhido, mas que permite à artista meditar sobre o trabalho. Ela não busca peças “suaves e sedutoras”, mas prefere deixar suas marcas visíveis, permitindo que o peso do trabalho seja evidente nas obras. “Quero honrar o trabalho daquelas pessoas que vieram antes de mim”, reflete. “Quero fazer as coisas com cuidado e tempo.”

Seu projeto mais recente, Petty Library (2024), nasceu em resposta ao comportamento insensível da diretoria da escola de seu filho quanto ao modo como lidaram com o racismo. Mudando completamente o formato de sua prática e se voltando para uma arte socialmente engajada e participativa, a artista pediu que pessoas online doassem livros de autoria de pessoas racializadas, sobre qualquer tema. Alguns títulos incluídos foram A History of Me, de Adrea Theodore, e A Kids Book About Neurodiversity, da Dra. Laura Petix. Chung então carimbou cada exemplar com a frase “Doado em nome de [nome do filho]” e os entregou à biblioteca da escola, para que todas as crianças racializadas e/ou neurodivergentes tivessem acesso a materiais de referência.

No atual clima político dos Estados Unidos, Chung considera mais importante do que nunca continuar esse tipo de trabalho. Um trabalho em que a obra de arte e sua significação hiperbólica, como a conhecíamos, desaparece. Para a artista, Petty Library representou uma ação de justiça social porque mobilizou pessoas e teve um impacto real. “Eu só queria poder ajudar as pessoas de uma forma mais concreta”, diz ela. “E acho que a biblioteca me deu essa oportunidade.”

Andrea Chung: Between Too Late and Too Early esteve em exibição no MOCA North Miami, Flórida, Estados Unidos, até 6 de abril de 2025.

Raquel Villar-Pérez é pesquisadora acadêmica, curadora de arte e escritora, interessada em discursos pós-coloniais e decoloniais na arte contemporânea e na literatura do Sul Global sociopolítico. Sua pesquisa concentra-se no trabalho de mulheres artistas que abordam noções de feminismo transnacional, justiça social e ambiental, e em fórmulas experimentais de apresentar essas noções na arte contemporânea.

Tradução: Jess Oliveira

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