Oito artistas evocam a história do primeiro – e até hoje único – presidente negro da Colômbia através de várias versões de seu retrato. A exposição “Suficientemente negro?” inicia uma discussão sobre a identidade e as narrativas de branqueamento. Ana Luisa González visitou a exposição no Centro Colombo Americano, em Cali.
Margarita Ariza Aguilar, Cósmico – Juan José Nieto Gil, 2018. Esmalte sobre acetato. Detalhe. Foto: Ana Luisa González.
José Horacio Martínez Méndez, Juan José Nieto Gil, 2018. Acrílico e tinta sobre tela. Foto: Ana Luisa González.
Panorâmica das obras de: Wilson Díaz, José Horacio Martínez Méndez, Henry Salazar, Javier Mojica Madera, Carmenza Banguera Estupiñan, Fabio Melecio, Margarita Ariza Aguilar e Liliana Vergara na exposição “Suficientemente negro?”. Foto: Ana Luisa González.
Pouquíssimas pessoas sabem que a Colômbia teve um presidente negro. Durante seis meses, em 1861, Juan José Nieto Gil (1804-1866), político constitucionalista, abolicionista e escritor caribenho, foi presidente da então República de Nova Granada, mas caiu no esquecimento durante mais de um século e meio.
Em 2018, o então presidente colombiano Juan Manuel Santos realizou uma cerimônia para enfim levar o retrato de Nieto para o palácio presidencial da Colômbia. Mas esse retrato do primeiro presidente afro-colombiano simboliza a história de como uma nação branqueou e apagou seu semblante.
O retrato original de Nieto, elaborado antes de seu breve mandato, foi enviado a Paris para que lhe conferissem uma aparência “mais distinta”, ou seja, clareassem o tom de sua pele e alterassem um pouco suas feições. Quando regressou à Colômbia, a pintura a óleo foi para o Museu Histórico de Cartagena e, após uma restauração em 1974, ficou abandonada no Palácio da Inquisição. O branqueamento e esquecimento desse retrato constitui uma espécie de relato coletivo que vem se repetindo em toda a Colômbia.
Em 2016, 155 anos depois da posse de Nieto como presidente, o diretor do Museu Nacional da Colômbia, Daniel Castro, encomendou um novo retrato ao pintor Justiniano Durán, a fim de incluí-lo no Palácio de Nariño. Após uma ação popular, o retrato chegou ao palácio presidencial, embora não tenha sido colocado na galeria do Salão de Gobelinos ao lado dos demais antigos presidentes.
Esse novo retrato é o ponto de partida da exposição Suficientemente negro?, organizada pelo Centro Colombo Americano de Cali, por ocasião do Black History Month, em fevereiro de 2019. A exposição, que apresenta reinterpretações do retrato produzidas por oito artistas, é uma ação coletiva para reivindicar a memória de Nieto. Ao mesmo tempo, dá início a uma discussão sobre a racialidade, a identidade, a representação e os sistemas de branqueamento que têm permeado o país.
O projeto faz parte da iniciativa Blanco Porcelana, da artista Margarita Ariza, que desde 2011 reúne arquivos, fotografias, desenhos e performances para evidenciar a aspiração de brancura vigente em nosso cotidiano, assim como a hierarquia racial, a discriminação, a exclusão e as ações de branqueamento que atravessam a história familiar e a de uma nação.
A controvérsia
No debate inaugural, moderado por Margarita Ariza, seis artistas compartilharam diversas visões sobre sua versão do retrato, o branqueamento do semblante de Nieto e a necessidade de questionar se é preciso ser negro para falar sobre a identidade afro-colombiana.
Entre os artistas, Mónica Restrepo expôs sua abordagem do retrato por meio de um gesto icônico do antigo presidente Obama: jogar o microfone no chão após seu discurso. Para Restrepo, “este é um gesto citado por Obama dos rappers e comediantes dos anos 1980, como uma forma de dizer que já não há mais nada a dizer, não há nenhum adversário que seja melhor que ele”.
A partir de um objeto – um microfone partido em pedaços – surge a questão: que vozes podem ser ouvidas e quais são silenciadas? Assim como Nieto foi um presidente censurado por um sistema colonial, a artista também questiona se ela pode ou não falar de Juan José Nieto Gil.
Esta pergunta ressoou entre o público, e um espectador indagou aos artistas sobre em que contexto uma pessoa pode falar de um presidente negro, se não cresceu em uma comunidade afro-colombiana. A questão constituiu o centro da discussão: o que é o negro? E como se configuram os debates sobre se pessoas são suficientemente negras para falar ou representar os afro-colombianos?
Fabio Melecio Palacios, agraciado com o prêmio Luis Caballero de 2011, um artista que enquadra sua obra no pensamento afro, colocou em evidência a urgência de se repensar a identidade negra. Em seu retrato, o artista questiona se o ocultamento da figura de Nieto continua sendo um assunto banal. Sobre sua obra na exposição, Melecio declarou: “A imagem de Nieto é feita de isopor, um material totalmente banal, popular, que pode passar despercebido”. Entretanto a cor da peça também faz referência ao branqueamento da figura de Nieto.
A crítica de Melecio reformula a questão de como o negro deve ser nomeado como é, e merece um lugar num sistema em que as narrativas de exclusão herdadas do colonialismo ainda persistem. Seu olhar talvez seja uma forma de se sair do sistema de castas implantado no país graças a um misto de capitalismo e herança colonial.
E foi justo o Estado colombiano que perpetuou os processos de colonização e modernização que marcaram a história da violência na Colômbia. A artista Liliana Vergara interpreta o retrato a partir da impunidade e do ocultamento perpetuado pelo Estado colombiano. “Coloco em evidência como essas histórias são ocultadas de nós, e isso faz com que não tenhamos nenhuma memória. Talvez esta seja a estratégia para que não tomemos nenhuma atitude e continuemos como um rebanho.” Seu retrato recorre a elementos religiosos como a estela, o rastro e a ferida para exibir os valores cristãos do Estado colombiano, e questiona os discursos que perduram na história da Colômbia.
Ana Luisa González é jornalista cultural em Bogotá, Colômbia.
Suficientemente Negro? Centro Cultural Colombo Americano, sede norte Cali, Colômbia Entrada franca De segunda a quinta, das 9h às 19h Sexta-feira, das 9h às 18h Sábados, das 8h às 12h
A exposição estará em cartaz até dia 30 de março de 2019.
Traduzido do espanhol por Renata Ribeiro da Silva.