Conversa com Sandra Benites

“As cidades são cemitérios indígenas”

Curadora adjunta de arte brasileira do Museu de Arte de São Paulo e uma das responsáveis pelo projeto “Histórias indígenas”, ao qual o MASP dedicará o ano de 2023, Sandra Benites fala em entrevista sobre a arte indígena produzida no Brasil e comenta sua experiência de curadoria.

C&AL: É possível achar pontos unificadores na arte contemporânea indígena?

SB: Podemos dizer que todos os indígenas, artistas, acadêmicos ou ativistas começam a falar a partir da cosmovisão do seu povo. O Denilson Baniwa, por exemplo, fala a partir do conhecimento Baniwa. Por quê? Nós sempre respeitamos as diferenças. Por isso, não tínhamos essa divisão espacial que existe hoje em dia entre as aldeias. Quem fez a divisão espacial foi o próprio branco, colonizador, para muitas vezes colocar muita gente no mesmo espaço e para dizer que ali são todos iguais. Nós temos outra forma de pensar. Nós tínhamos essa divisão por diferença, povos que falam línguas diferentes, por exemplo. A nossa fronteira era a divisão da diferença, do respeito à diversidade. Os artistas sempre trazem essa cosmovisão, a visão do seu próprio povo e de sua comunidade, e trabalham a partir disso.

C&AL: A maioria dos artistas indígenas que estão presentes no circuito da arte são homens. Como é a produção feminina?

SB: Há poucos indígenas no Brasil que estão ocupando esse espaço de visibilidade. A luta feminina também está inserida no grupo, mas os destaques são os homens. Temos nossa forma política dentro da comunidade, que é mais discreta, justamente por não conhecer o que está fora. E o que está fora não conhece nossa forma de pensar. A liderança não é só aquela que faz a mediação com o não-indígena, como Sonia Guajajara ou a Joenia Wapichana, que se tornou deputada federal. Essas são mulheres que já estavam se articulando dentro da própria comunidade. Há algumas artistas que circulam fora das comunidades, como a Graciela Guarani, que trabalha com vídeo; a Zahy Guajajara, que faz performances; a Sallisa Rosa, que já participou de várias residências; a Tapiti Guajajara, que canta cantos tradicionais Guajajara e faz pintura corporal em telas ou diretamente na parede. Há outras mulheres que têm um trabalho belíssimo, mas que não são reconhecidas no mundo não-indígena, só são reconhecidas na sua própria comunidade.

Sandra Benites, da etnia Guarani Nhandewa, é curadora adjunta de arte brasileira do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand – MASP, educadora e doutoranda em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Camila Gonzatto escreve sobre cinema, literatura e artes visuais para diversas revistas e publicações acadêmicas. É membro da equipe editorial da Contemporary And América Latina.

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