Porto Rico

Sou monumental: o poder das raízes africanas

Numa ponte entre Nova York e Loíza, Marta Moreno Vega e Olga Chapman-Rivera nos proporcionam conceitos norteadores, inspirados na ancestralidade iorubá, para criar instituições culturais fundamentais que sirvam à memória, à resistência e à celebração da diáspora africana nas Américas.

Recordo-me quando estava criando El museo del barrio e fui até o Conselho das Artes em Washington D.C. apresentar o projeto: expliquei que El museo del barrio queria dizer o museu da comunidade, right? A pessoa responsável pela programação cultural me disse: “Vocês não são museu. Por que vocês se chamam de museu? Quem disse a vocês que eram um museu?” E eu respondi: “Por que você está me perguntando isso, se eu estou te dizendo que é um museu?” E ele me disse: “Esta não é a definição que nós temos de museu, e por esse motivo não podemos te apoiar.” Agora, se eu tivesse aceitado essa definição que estavam me dando, teria fechado as portas do nosso projeto e montado um programa escolar criado pela nossa comunidade. Mas eu entendi que El museo del barrio era o coração da nossa gente, das nossas comunidades, das nossas mães e pais, e que, se não conseguíssemos apoio oficial, o apoio viria da nossa comunidade e da nossa gente. E a primeira exposição foi feita baseada no mundillo que nossas mães faziam: as rendas que nossas mães produziam. Fizemos isso sem apoio, porque nós decidimos que, sim, era um museu, e não porque alguém dissesse que ele precisava ter suas qualificações para ser um museu. Nossa comunidade do Barrio entendeu a importância das nossas tradições e histórias para fortalecer os nossos jovens no futuro.

C&AL: O que diria às juventudes da diáspora africana que hoje atuam no campo cultural com tanta precariedade e desequilíbrio?

MMV: Acho que temos que estar seguros sobre quem somos, definir quem somos e como vamos nos organizar para criar um futuro agora mesmo. Parte do sistema opressivo é impedir você de fazer as suas coisas. De criar. De pensar. É paralisar você. Viver com medo. Neste momento, o que estamos vivendo no país é difícil, é a primeira vez que vamos passar por isso da maneira que estamos passando, acho eu, right? E quais são as conversas? Sim, isso está acontecendo, mas… o que vamos fazer? Como vamos nos posicionar? O que vamos criar? Como é estar em uma comunidade de apoio? Porque é… como digo a você?… É uma responsabilidade que temos: você tem, eu tenho, não importa a idade que tenhamos. É fazer um futuro melhor para a nossa gente, para a nossa família. Tenho duas netas. Quero um mundo melhor para elas e o que faço é para torná-lo melhor. E para celebrar… porque não é só a luta, a resistência. Não! É curtir o que somos, celebrar o poder de ser e ousar ver um futuro para os que vêm aí. E quando celebramos o que somos, o que fizemos e o que ainda vamos fazer: aí está a inspiração.

Temos um projeto que decidimos chamar de Soy monumental(Sou monumental). Porque, se nos olharmos historicamente, se virmos todas as coisas pelas quais passamos, tudo o que criamos, tudo o que fizemos, temos que ver que somos monumentais, somos o que queremos ser, certo? Porque chegamos a um ponto ao qual nem meus pais – e, vamos dizer – nem minhas avós e avôs chegaram. Porque o que fiz não foi feito no vazio, foi feito porque eu tinha mãe e tinha meu pai e tinha minha avó e as histórias do meu avô. Então somos a continuidade das raízes que somos.

Olga Chapman-Rivera: Essa continuidade é importante, já que a modernidade tanto nos disse que existe uma força interior individual, mas que não se conecta com essa ancestralidade de que fala Marta. Os sistemas do capital tanto disseram sobre o esforço individual: que você é único e especial, um monte de coisas…, mas é bem importante para nossas comunidades nos enraizarmos: na nossa família, em nossos ancestrais, nas pessoas que nos formaram…, porque isso é o que nos faz tocar a terra e que nos sustenta apoia em momentos difíceis. Quando sentimos que as coisas que estão acontecendo no mundo são difíceis de lidar, é essa conexão, o gerirmo-nos coletivamente, gerirmo-nos a partir da comunidade, o que nos dá base. O que eu mais diria a qualquer pessoa jovem é que olhe para a sua gente, veja quem é a sua gente, quem é a sua comunidade, sua tribo, sua família, de agora ou de antes. E que há um trabalho que se faz a partir da individualidade, mas há um trabalho que se faz a partir do coletivo: apoiarmo-nos em rede, em solidariedade. É por aí que a coisa vai…

corredorafro.org

Tradução: Marie Leão

Marta Moreno Vega é educadora e professora de estudos africanos e latinos. Foi a segunda diretora do El Museo del Barrio em 1969 e co-curadora da exposição 500 Anos de Arte Porto-Riquenha, apresentada tanto no El Museo del Barrio quanto no Museu Metropolitano de Arte de Nova York. Foi fundadora da Associação de Artes Hispânicas e bolsista da Fundação Rockefeller, o que a levou a fundar o Centro Cultural do Caribe em 1974. Renunciou à sua direção há três anos para viver em tempo integral em Porto Rico.

Olga Chapman-Rivera é publicitária e comunicadora com ênfase na interseccionalidade de gênero e nas comunidades afro e LGBTTQ+. É especialista em desenvolvimento e planejamento de marcas por meio da hiperfocalização de audiências, da cultura, do policulturalismo e da transformação digital. Faz parte da equipe por trás do Corredor Afro.

Nicolás Vizcaíno Sánchez é um artista afrodescendente que vive em Bogotá, Colômbia. Exibe e escreve ocasionalmente como parte de sua prática artística conceitual.

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