Inventando seu próprio jogo

Maren Hassinger: “Não estamos vivos para ganhar dinheiro”

No pós-guerra, diversos artistas negros com trabalhos precursores foram amplamente negligenciados pelo circuito artístico ocidental, a despeito de suas relevantes contribuições. Mesmo assim, perseveraram. Nos últimos dez anos, as instituições ocidentais têm despertado para seu legado. Eles passaram a finalmente assumir a curadoria das primeiras retrospectivas – e os mercados, é claro, logo seguiram o exemplo. Nesta série, mapeamos suas trajetórias, destacando sua evolução e suas motivações artísticas. Will Furtado conversou com Maren Hassinger antes de sua exposição individual em Londres a respeito de seu protesto contra a falta de inclusão, as condições atuais dos artistas negros e sua recusa em dar aulas de gestão comercial em escolas de arte.

C&: Como sua relação com materiais em decomposição, como os jornais, evoluiu à medida que sua carreira evoluiu em um mundo cada vez mais comercial e digital?

Maren Hassinger: Não vejo os jornais como um material em decomposição. Os assentos (Sit-Upons) que criei exclusivamente a partir de edições do The New York Times resistiram a uma década em suas condições originais – sem que o papel amarelasse ou escurecesse, se desgastasse ou desintegrasse. Para alguns, o mundo está cada vez mais comercial e digital, mas este é também um mundo que dispõe de menos afluência e educação. A razão pela qual uso o New York Times é porque se trata do jornal mais respeitado dos Estados Unidos. Ele contém todas nossas histórias, vidas, tragédias e alegrias! Usar os jornais me trouxe uma concepção mais compassiva de nosso mundo, e serei eternamente grata àqueles que trabalham para trazer essas verdades até nós. Sei que é nossa tarefa viver juntos em igualdade para que possamos curar o mundo.

C&: Em 1983, juntamente com Senga Nengudi, você apresentou uma performance chamada The Spooks Who Sat By The Door como forma de protesto [realizado no Museu de Long Beach, que havia incluído apenas um artista negro na exposição At Home]. Como você compara sua situação naquele momento às condições atuais dos artistas negros?

Maren Hassinger: Creio que eu fazia parte da exposição em que fiz o protesto! Eu protestei em apoio a Senga Nengudi e aos outros artistas que não foram descobertos e incluídos. Foi uma situação, como tantas no mundo artístico, em que o poder corrompe e pode torcer a realidade de uma situação.

Obviamente, os artistas negros hoje dispõem de oportunidades que eu nunca tive. Para começar, há vários tipos de fóruns de mídias digitais que apoiam suas práticas. O número de artistas não brancos tem aumentado nas escolas e carreiras profissionais a um ponto que não é comparável com o momento quando comecei. Havia muito menos artistas negros com aspirações reais de construir uma carreira nas artes visuais.

Esse protesto específico que você mencionou também tinha como alvo as feministas brancas que fizeram a curadoria da exposição. Nosso sentimento era de que “nossas irmãs” estavam nos ignorando e nos excluindo.

Tudo isso mudou – veja por exemplo a WACK!: Art and the Feminist Revolution, realizada em 2007 com curadoria de Connie Butler. Infelizmente não participei dessa exposição, mas muitas mulheres não brancas merecedoras foram incluídas.

C&: Como professora, como você concilia a influência da pedagogia de Paulo Freire com o fato de que os estudantes estadunidesnes atualmente são mais pressionados a pensar comercialmente?

Maren Hassinger: A pedagogia de Paulo Freire era frequentemente lida e discutida em meus seminários com os alunos da Rinehart School of Sculpture. A compaixão e a igualdade eram ideias centrais em nossa discussão sobre a responsabilidade do artista. São ideias que todos os cidadãos responsáveis devem abraçar. Gosto de pensar nos artistas como visionários – ou até como profetas. Suas ideias são baseadas em suas preocupações sobre o sentido da vida.

Lamento imensamente que os estudantes de arte sejam pressionados a pensar sobre si próprios como vendedores criando produtos comercialmente viáveis. Essa é uma atitude totalmente avessa à criação e inadequada para qualquer forma de educação. Não estamos vivos para ganhar dinheiro.

Eu ensinava Paulo Freire em contraponto à gestão comercial para oferecer aos meus alunos um motivo para que seguissem em frente e compreendessem sua relação social com o mundo. Temos que ser inteligentes e conscientes sobre o mundo, e nosso trabalho deve refletir isso. Talvez tudo seja um negócio, mas nossa prática não deveria ser.

C&: As obras da sua próxima exposição em Londres abordam diversos temas sociopolíticos das décadas recentes. Como você leva o tempo e o espaço em consideração ao criar sua arte em um mundo em mutação?

Maren Hassinger: Só podemos criar sobre aquilo que conhecemos. Há uma coisa que sei: nada é estático, o movimento é a própria vida. Caso você esteja sugerindo que minha idade impossibilita que eu trate de temas atuais, ou tome consciência do mundo ao meu redor, você está equivocado. É incorreto afirmar que meu trabalho aborda temas sociopolíticos ultrapassados. Se aquilo que mais desejo tem a ver com igualdade para todos, então nós, na verdade, nunca chegamos lá. Essa busca não está ultrapassada, ela está em progresso. Quero que este planeta sobreviva, e vejo isso como uma possibilidade real apenas se trabalharmos juntos solidariamente pela igualdade, para preservamos nossa casa.

Maren Hassinger, Passing Through está em exposição na Tiwani Contemporary, Londres, de 2 de outubro a 15 de novembro de 2019.

Maren Hassinger nasceu em Los Angeles, CA, em 1947, e vive e trabalha em Nova York. É a diretora emérita da Rinehart School of Sculpture no Maryland Institute College of Art em Baltimore, que coordenou por 20 anos. Ao longo de uma carreira que já dura mais de quatro décadas, Hassinger tem explorado as relações entre o mundo industrial e o natural a partir de uma prática que é ao mesmo tempo meditativa e crítica. Atualmente seu trabalho foca a exploração de temas relacionados à igualdade.

Por Will Furtado

Traduzido do inglês por Uirá Catani

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