Acometido por um surto de tuberculose que invadiu as penitenciárias do Rio de Janeiro, recolhido em prisão domiciliar a partir de setembro de 2017, Rafael Braga Vieira esteve preso desde 2013. Depois de deixar a penitenciária em 2016, foi novamente acusado e retornou à prisão. Jovem, negro, nascido em 1988, catador de lixo que estava trabalhando enquanto aconteciam as manifestações de 2013 na cidade, ele foi preso por portar duas garrafas plásticas contendo produtos de limpeza.
De saída concebido pelos operadores da Justiça como sujo e perigoso, as únicas testemunhas em seu caso eram os policiais que o acusaram de portar material explosivo. A história de Braga sintetiza o que vários estudiosos do racismo brasileiro chamam de genocídio da população negra. As estratégias desse genocídio de longa duração começaram com a escravização das pessoas, tornando-as objetos ao longo de três séculos. E persistem. Elas passam, no período que sucedeu à abolição depois de 1888, pelo alijamento dos direitos modernos das pessoas negras, chegando à segregação espacial, aos subempregos e a formas de tornar essas pessoas presas fáceis da violência policial, fome e miséria.
Considerado um caso emblemático, o ódio a Rafael Braga ganhou grande visibilidade entre os movimentos sociais dentro e fora das redes sociais, mobilizando esforços coletivos a favor de seus direitos e de sua família, contra a seletividade de uma Justiça que termina sempre por criminalizar a pobreza. Na ArtRio, Feira de Arte do Rio de Janeiro, em 2017, os artistas Joana Amador, Lourival Cuquinha, Mariana Lacerda e Mariana Sgarione inspiraram-se nele para criar a obra Um e Três menos Um Crimes, cujo dinheiro da venda será revertido para a família do jovem.
A campanha pela liberdade de Rafael Braga multiplicou seu rosto na internet. Adesivos, bottons, camisetas, cartazes, charges, colagens o tornaram uma figura icônica, atualizando estratégias visuais de protesto, como aquelas criadas por Emory Douglas, Ministro da Cultura do Partido dos Panteras Negras entre 1966-1982. Desse modo, Rafael Braga passou a ocupar, no plano visual, o mesmo lugar que a filósofa e ativista Angela Davis e um dos líderes do PPN, Huey Newton (1942-1989), ocuparam desde que foram injustamente presos. A própria Davis aparece na internet segurando uma camiseta com a imagem de Braga.
É inspirado nesse ambiente de manifestação contra a seletividade da Justiça que aconteceu a mostra “OSSO Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga”, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, entre junho e julho de 2017, acompanhada de programação paralela. Com curadoria de Paulo Myada, a exposição foi realizada em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). As obras da mostra-ação foram feitas de elementos mínimos, alguns dos quais bem precários, como se dissessem que, contra o consenso que mata, qualquer atitude civil contrária é um ganho.
Entre os 29 artistas de OSSO, alguns são negros. O tema do racismo, portanto, é uma constante – caso de Rosana Paulino e Jaime Lauriano. Esses dois artistas estão interessados na história pregressa do Brasil, de maneira que apostam o que se pode denominar de prática revisionista. Ou seja, eles revisitam o passado e oferecem interpretações dos acontecimentos, não apenas para oferecer uma nova versão, mas nos convidando a observar a persistência e continuidade das violências que não acabam.