C& América Latina: Recentemente, você disse que o sujeito negro e urbano é produtor na música e até na literatura, mas muito pouco nas artes visuais. Por quê? Como você, que começou a produzir no começo dos anos 1990, se viu nesse contexto?
Rosana Paulino: As artes visuais negras no Brasil historicamente são muito ligadas ao religioso – desde o Barroco ao Modernismo e, em alguns casos, ainda hoje. Acho que esse campo de produção do religioso era de certo modo permitido aos sujeitos negros. Rubem Valentim, Mestre Didi e Emanoel Araújo, por exemplo, trabalharam as questões negras a partir de seus envolvimentos com as religiões, o que não deixa de ser um pouco natural, visto que os três são baianos, ligados ao ambiente religioso. No meu caso, que venho da periferia de São Paulo, da Freguesia do Ó, e que ouvi Racionais MC’s na adolescência, qual é a herança negra que estava ao meu redor? Não era a dos cultos afro-brasileiros. Isso obviamente não é nenhuma crítica a esses artistas. Quero enfatizar que não estou imersa nesse universo como eles estavam. Então, como me encontro? Quais são as minhas referências? No início da década de 1990, essas eram as perguntas que eu fazia, para as quais não tinha uma resposta muito pronta.
C&AL: Mais de uma vez você disse que sua principal preocupação como artista consiste em entender a posição que a mulher negra ocupa no tecido social brasileiro. Poderia falar sobre o que detectou, nesse contexto, em suas pesquisas e obras?
RP: Nos dados do IBGE, a mulher negra é a base da base da pirâmide social no Brasil. É a que mais chefia famílias sozinha, é quem tem a menor renda. Ela está abaixo do homem negro, que por sua vez está abaixo da mulher branca, que está abaixo do homem branco. Gostaria de entender isso no meu trabalho. Olho para essa questão a partir do meu entorno, a partir das meninas negras aqui da vila e também das mulheres da minha família. Minha mãe e minha tia são mulheres excepcionalmente inteligentes, então o que aconteceu com elas? Por que uma mulher com inteligência tão notável, como minha mãe, não conseguiu desenvolver suas habilidades? Como é o crescimento de uma mulher que não faz parte de um modelo de beleza que exclui? É possível uma mulher negra ser bem-sucedida? Olhando a televisão, às vezes parecia que a gente estava na Holanda, na Suíça. Esse não era o meu cotidiano. Então, dentro do recorte da raça, eu também tive que fazer o recorte de gênero para entender minha própria condição no mundo.