Dak'Art 2018: Conversa com Oneika Russell

Surfando nas ondas do tempo

Oneika Russell sempre foi fascinada pelas ambiguidades culturais de sua Jamaica natal. Para a Bienal Dak’Art 2018, a artista tem explorado identidades dentro do Caribe em relação a um de seus elementos mais fundamentais: o mar. Russell conversou com a C&AL sobre água salgada, a exploração do povo caribenho e as infinitas possibilidades artísticas.

Em uma série recente de trabalhos chamada A Natural History, eu explorei a cultura e a identidade de pessoas caribenhas como eu. Nossa identidade é frequentemente muito específica em seu hibridismo, mas ela também se conecta a antigas tradições e fábulas africanas e europeias. Sendo assim, nessa série recente de vídeos, desenhos, gravuras e livros de artista, eu me encarreguei de converter uma fotografia de mim mesma em várias figuras parecidas com criaturas. Eu queria usar imagens visuais para transmitir o sentimento de ser desumanizado e separado de sua identidade.

C&AL: De que maneiras você olhou para essas separações?

OR: A identidade caribenha é frequentemente um espaço estranho, mas interessante de se habitar. É uma experiência vinculada a uma ideia de vender ao mercado nossa terra, nossos corpos, nossa cultura. Eu me interesso pela fisicalidade do espaço, por suas praias e vegetação exuberante, assim como pelos corpos que habitam esse espaço. Também me interesso por como os caribenhos se apresentam para consumo e como eles são percebidos como exóticos e consumíveis. Estou interessada em um hibridismo que também se amplia para encontrar maneiras de mesclar o ofício tradicional aos processos digitais. Por exemplo, como é possível criar uma gravura que se pareça com uma pintura ou um anúncio publicitário e como fazê-la transmitir a sensação de um livro ou um filme? Como criar uma imagem que seja ao mesmo tempo bonita e desconfortável?

C&AL: Você poderia nos dar uma ideia sobre sua contribuição para a Bienal Dak’Art 2018?

OR: Antilles for the Antilleans: Saltwater (As Antilhas para os antilhanos: água salgada) é um trabalho com múltiplos painéis, feito em material têxtil. Consiste em nove painéis impressos em tecido poly crepe de Chine que imitam banners, lenços, cartazes e outros objetos vistos em ambientes locais na Jamaica. Quatro dos painéis foram impressos com dizeres em minha própria caligrafia, que apresentam ideias conflitantes sobre um elemento importante para definir o Caribe: a água salgada que rodeia as ilhas. Em meu trabalho, o mar se torna um elemento que cura e desnorteia ao mesmo tempo.

O povo caribenho tem uma relação carregada com o mar, já que historicamente era por ele que os africanos eram levados para as ilhas para serem explorados. Nos tempos modernos, ele também é o meio pelo qual essas nações insulares ganham dinheiro através do turismo e pelo qual elas se conectam ao resto do mundo. Muitas das imagens são lembradas a partir da cultura visual da região. Tudo se tornou um emaranhado de pensamento, memória, história e cultura. O projeto foi desenvolvido a partir de uma colaboração inicial para a instalação de Monica Rodriguez chamada Las Antillas Para Los Antillanos, criada para o evento Open Air Prisons, realizado no espaço de Los Angeles Contemporary Exhibitions. Sua instalação procurava reunir contribuições de artistas visuais, músicos, poetas e escritores em um centro de pesquisas em constante evolução, focado no Caribe enquanto espaço.

C&AL: Você foi criada na Jamaica e recebeu uma bolsa de estudos para viver no Japão. Como você descreveria as diferentes cenas artísticas?

OR: Essa é uma comparação interessante. A Jamaica está em uma posição muito diferente do Japão em termos das dimensões, expansão ou vastidão de um mercado de colecionadores e do panorama artístico. Na Jamaica, a arte está na maneira pela qual falamos e nos movemos; ela habita um espírito de improvisação e inventividade. No Japão, a arte também está embutida na vida cotidiana, mas vinculada a uma tradição e, segundo minha experiência, é frequentemente estudada e sistematizada. Os artistas jamaicanos muitas vezes batalham para que o público mais amplo e o Estado apoiem seu trabalho, ao passo que no Japão as belas artes são amplamente estimadas pela população. Há amplo apoio por parte do Estado aos artistas japoneses locais, através de diversos programas de financiamento, oportunidades de exposição, residências, incubadoras etc. Em nossa cena artística na Jamaica, há colecionadores, curadores e instituições que oferecem apoio, mas sempre há a necessidade de mais iniciativas e acesso para que os artistas possam entrar na cena facilmente e ter uma oportunidade de prosperar. E enquanto os artistas japoneses parecem absorver a estética da cultura tradicional e da popular em suas obras, os artistas jamaicanos contemporâneos geralmente usam suas obras politicamente para repensar e questionar ideias a respeito de nossa herança, identidade nacional, cultura, hierarquias e estruturas sociais enviesadas.

 

Oneika Russell frequentou o Edna Manley College em Kingston, Jamaica, entre 1999 e 2003, onde concluiu um curso no Departamento de Pintura. Em 2003, ela passou a estudar na universidade Goldsmiths College em Londres, no Centro de Estudos Culturais. Durante sua estada na Goldsmiths, Oneika começou a integrar seu profundo interesse em mesclar a prática da pintura às novas mídias. Ela também concluiu seu curso de doutorado em artes na Universidade Kyoto Seika, com ênfase em animação na arte contemporânea. Atualmente atua como palestrante nos departamentos de Belas Artes e Comunicação do Edna Manley College.

Entrevista por Theresa Sigmund.

Traduzido do inglês por Uirá Catani.

Tópicos