C&: Então, um ano depois do lançamento da NoBrasil, você apresentou o AfroT e logo depois o Diálogos Ausentes. Você considera esses dois últimos projetos como desdobramentos da NoBrasil?
DL: O AfroT nasce como primeiro projeto da NoBrasil a atender esse desejo de partir para ações offline. Ele é motivado por três questões centrais: como sou parte da sexta geração de mulheres negras de uma cidade chamada Mundo Novo, que fica no interior da Bahia (estado mais negro fora da África), passei a me questionar sobre o que aconteceria com os conhecimentos ancestrais da minha casa, caso a minha bisavó, na época com 102 anos, viesse a falecer. A segunda questão foi pensar como a minha produção teria sido influenciada se eu tivesse tido uma educação afrocentrada na escola e na universidade. A terceira era essa reflexão em nível coletivo: qual o impacto que isso teria na produção artística nacional? Tais questionamentos vieram, sem dúvida, com as observações sobre as presenças e ausências da produção negra que a NoBrasil nos trouxe e a percepção de que um lugar determinante de pesquisa para os nossos processos de criação é nossa própria casa. Com um programa que cruza ancestralidades e contemporaneidades, memórias e saberes, através de diversas palestras, performances, laboratórios, atividades e workshops, o projeto discute os efeitos dos epistemicídios e a busca por novas epistemologias que fundamentem as nossas criações.
Já o Diálogos Ausentes surge como um convite do Itaú Cultural depois da primeira edição do AfroT. Um ponto fundamental a ser lembrado sobre o AfroT é que ele, além da mobilização e visibilidade que gerou, acabou por ser, para o setor da cultura, um marco importante, por ter sido uma das primeira realizações a produzir uma intervenção institucional dessa natureza. O fato de ele ter sido realizado no Red Bull Station acabou por ampliar as discussões sobre as ausências da produção afro-brasileira nos museus, galerias e espaços culturais, principalmente a partir do texto que escrevi sobre curadoria como ferramenta de invizibilização dessas práticas.
Quando o Itaú Cultural é acusado de racismo por uso de blackface em uma peça de teatro de sua programação, deflagrando o racismo estrutural presente na instituição, vem o convite para que eu ajudasse a construir e mediar ciclos de encontros que acabaram por durar um ano e meio. Assim, no fim de 2016, encerramos o ciclo de encontros com uma exposição, que foi curada por mim e pela artista Rosana Paulino. E em 2017 fizemos uma nova montagem no Rio de Janeiro, sendo estas as primeiras ações com foco na cultura negra nos 30 anos de atividades dessa que é uma das maiores instituições culturais do país. A exposição ainda foi uma das primeiras exposições curadas por mulheres negras nesse circuito institucional.