Conversa com Yina Jiménez Suriel e Pablo Guardiola

“Ao cruzar os trópicos, a modernidade começa a suar”

A exposição one month after being known in that island (“um mês depois de ser conhecido naquela ilha”), coproduzida pela Caribbean Art Initiative, reúne em Basileia, na Suíça, o trabalho de onze artistas que propõem formas de habitar, pensar e comunicar o Caribe contemporâneo. Os artistas revelam a diversidade das artes visuais da região, ao mesmo tempo em que compartilham um desejo de emancipação, resistência e reconfiguração histórica que busca romper com narrativas coloniais e neocoloniais. A C&AL conversou com Yina Jiménez Suriel e Pablo Guardiola, que assinam a curadoria da mostra.

C&AL: O que pode significar “arte caribenha”?

YJS: Temos problemas com a categoria “arte caribenha”. Preferimos não englobá-la assim, mas entendê-la como pontos comuns. Por exemplo, na exposição estão Ramón Miranda Beltrán e Madeline Jiménez Santil. Ambos trabalham com linguagens muito diferentes da produção contemporânea, mas em alguns momentos se encontram. Madeline diz que “ao cruzar os trópicos, a modernidade começa a suar”. Significa que ela começa a se desarticular, a se conhecer e a se repensar através de questões diferentes daquelas colocadas no Ocidente e no Norte.

PG: O Caribe é o acúmulo de muitas coisas, e isso inclui outros lugares. Os artistas buscam reconfigurar nossas identidades e mudar o sentido de lugar. Miranda Beltrán inclui em seu trabalho referências a isso de uma forma sutil. Trabalha com cimento, mas também faz referência às marcas nas pedras dos habitantes originários de Porto Rico, juntamente com marcas contemporâneas. A história oficial diz que não se usava essa pedra, mas ele contradiz isso: nossa história não aconteceu? Sinto que muitos artistas da exposição buscam uma reflexão e uma revisão da história oficial. Por exemplo, José Morbán oferece um olhar sobre a história dominicana recente. Tony Cruz, por sua vez, tem um projeto que tomou muitas formas – instalação, conversa, vídeo – e explora as referências de apropriação e sincretismo a partir da salsa, especificamente a partir das capas dos álbuns.

C&AL: Como vocês entendem o papel dos afro-latinos na arte caribenha?

YJS: No contexto local, e falando a partir da minha realidade dominicana, a maior parte da produção vem da afrodescendência. Somos majoritariamente afrodescendentes. E, embora discursos e trabalhos não abordem unicamente situações que dizem respeito a essa comunidade, há esforços para gerar recursos e espaços que permitam aprofundar a experiência como afrodescendentes.

PG: Há um fator histórico inegável. O Caribe foi o produto de uma selvageria, de trazer pela força muitas populações não originárias, e fazer surgir a partir daí uma mistura violenta. Para mim, nossa cultura começa a partir daí. E muitos artistas com quem estamos trabalhando compartilham essa ideia, de que o Caribe é feito de muitos tipos de negritude que estão em diálogo. Nas ilhas de língua espanhola, a oficialidade tentou branquear a realidade. Mas a verdade é outra. A base cultural da nossa população é negra.

C&AL: Como isso se manifesta na exposição?

PG: Nelson Fory Ferreira intervém diretamente na escultura pública de colonizadores espanhóis e coloca perucas afro neles. É um caso muito explícito, mas há uma tentativa de dizer: “Aqui vamos reverter o olhar”. Christopher Cozier faz a mesma coisa, mas a partir do abstrato. Ele diz que sua arte “não é sobre o Caribe”, mas “sobre um olhar caribenho”, e ele parte daí para desenvolver sua pesquisa. Como em outras comunidades do continente americano, se quis utilizar no Caribe o conceito de mestiçagem como estratégia colonial para invisibilizar e homogeneizar, sob a ideia de que aqui não aconteceu nada, de que há harmonia. Isso é uma grande mentira. Há fissuras e atropelos. Quando o poder tenta folclorizar a cultura negra e caribenha, elimina a complexidade que é falar sobre cultura. Os colegas na exposição, e muitos outros artistas, propõem o olhar não folclórico.

C&AL: Por último, de que forma essa “oposição ao folclórico” é um ponto comum da exposição?

YJS: É uma resposta a políticas culturais impulsionadas pelo Estado e pelo setor privado. E é uma oposição à tentativa de esvaziar de conteúdo a produção cultural. O folclórico tem sido usado como estratégia para reduzir o poder de criar reflexão e conhecimento a partir de práticas culturais cotidianas, principalmente afrodescendentes. É uma categoria que busca distanciar e promover um discurso onde a cultura não é assumida como um espaço político e relevante para as mudanças sociais necessárias na contemporaneidade. Por isso, a exposição apela ao poder da imaginação a partir da produção de sentido através da arte contemporânea, visando pensar em outras formas de resistência e emancipação em nossas realidades. Os artistas convidados partem de metodologias de subversão, e não de repetição, com a finalidade de construir narrativas que possam fugir de sinais coloniais e neocoloniais em seus relatos sobre a região.

A exposição one month after being known in that island pode ser se visitada no novo espaço de arte da Kulturstiftung Basel H. Geiger, em Basilea, Suíça, de 27 de agosto a 15 de novembro de 2020.

A pesquisadora e arquiteta dominicana Yina Jiménez Suriel é curadora do Centro León, em Santiago de los Caballeros, Santo Domingo, desde 2018. Tem mestrado em História da Arte e Cultura Visual pela Universidade de Valencia, Espanha, e tem participado do fundo de estímulos Curando Caribe, do Centro Cultural da Espanha em Santo Domingo e Centro León. Hoje ela desenvolve uma pesquisa sobre a relação, em seu país, entre a mulher e o espaço arquitetônico, em colaboração com a Universidade Politécnica de Valencia e a revista Arquitexto.

Pablo Guardiola é um artista visual porto-riquenho. Sua obra surge do trabalho com objetos, fotografia e escrita. Seu interesse particular é a produção de formas variadas de leitura e narração, assim como a forma em que essas atividades são percebidas e interpretadas. É graduado em História pela Universidade de Porto Rico (Río Piedras) e tem um mestrado pelo Instituto de Artes de São Francisco, EUA. Desde 2013 é codiretor de Beta-Local, em San Juan de Puerto Rico.

Camilo Jiménez Santofimio é um jornalista e editor colombiano, que atua como diretor e gestor de diferentes mídias e projetos culturais.

Tradução: Cláudio Andrade

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