Logo depois da publicação de seu primeiro livro editado de fotografias, The New Black Vanguard (A nova vanguarda negra), Antwaun Sargent fez a curadoria da exposição Just Pictures (Apenas Fotografias) na projects+gallery, em St. Louis, Missouri. Falamos com o curador de Nova York sobre sua seleção internacional, e sobre imagens que existem entre o conceitual e o comercial.
Renell Medrano, Sienna, 2019. Cortesia da artista.
Yagazie Emezi, Lilith, 2020. Cortesia da artista.
Contemporary And: Você poderia me falar sobre o seu processo de seleção?
Antwaun Sargent: Com esta geração você precisa se envolver online, porque foi aí que muitos passaram a entender e a se deparar com fotografias, e a trocar imagens. Para mim, também não há gatekeepers tradicionais nesse ambiente, não há editores, não há direção de tráfego lá, não há curadores orientando o que vai entrar e o que vai ficar de fora. Assim, esse universo permite certas possibilidades. E uma possibilidade é a transgressão de fronteiras. Fronteiras nacionais, fronteiras entre, digamos, arte e moda, fronteiras entre o conceitual e o comercial, fronteiras entre a revista e o museu. Então, todas essas fronteiras se tornam fluidas.
Assim, para mim, essa exposição deveria ser sempre uma espécie de conversa internacional. Foi importante garantir que a seleção do artista refletisse a forma como encontramos motores, independentemente ou indiferentemente das fronteiras nacionais.
Joshua Kissi, When Kids Play (Quando as crianças brincam), 2019. Cortesia do artista.
C&: Quer dizer que o online foi seu modo primário de descoberta para essa exposição?
AS: Há artistas que encontrei online, mas também aqueles, como Joshua Kissi, que conheço há dez anos. Há outros artistas, cujas obras vi pela primeira vez em um ambiente mais institucional ou de galeria. É uma mistura de formas de vir a notar artistas ou de conhecer seu trabalho. É uma mistura entre espaços tradicionais e não tradicionais, como as redes sociais. Ambos são maneiras extremamente importantes de descoberta – não estou interessado em uma hierarquia entre elas.
Mas também há um outro princípio de organização. Com The New Black Vanguard, iniciei um diálogo com jovens fotógrafos da Diáspora Africana. Todos esses criadores de imagens fazem parte dessa Diáspora. Renell, por exemplo, que tem raízes na República Dominicana, Mous Lamrabat, que tem raízes no norte da África, Yagazie Emezi, que tem raízes na Nigéria, Ruth Ossai, que também tem raízes na Nigéria, mas cresceu em Londres. É uma verdadeira imagem dos jovens fotógrafos através da Diáspora. Não é necessariamente sobre redes sociais ou museus. Porque esses artistas fluem para dentro e para fora desses espaços. Esse trabalho reconhece as maneiras pelas quais eles foram capazes de contornar e usar esses espaços para garantir que suas imagens sejam vistas, e certificar-se de que suas preocupações sejam consideradas.
Arielle Bobb-Willis
C&: Você mencionou imagens situadas entre o comercial e o conceitual. Qual é a particularidade da criação de imagens nesse espaço?
AS: Acho que o mundo tradicional da arte separa o comercial do conceitual. Há uma história fotográfica tradicional que tenta dizer “esta é a obra de arte e este é o trabalho comercial”. Acho que há algo interessante em permitir que os artistas se contraponham a essa distinção – este é todo o meu trabalho, e você tem que lidar com tudo isso. Há simplesmente algo um pouco mais honesto nisso.
Mas também há outras coisas. Pense sobre a Pictures Generation, sobre Douglas Crimp, e a forma como eles zombavam da publicidade e usavam anúncios e imagens espalhafatosamente disponíveis para pensar sobre redes de desejo e poder. Isso agora está infundido no processo de criação desses jovens artistas. Eles não estão mais fora do processo, dizendo “olhe para isso, veja como a publicidade está afetando a maneira como nós nos percebemos”. Eles fazem essa crítica perfeitamente em seu trabalho ao usar o poder da publicidade na linguagem em que eles criam suas imagens. Então eles as colocam em museus, ou postam online, e, em cada um desses contextos, seu trabalho significa algo diferente. Esse é o poder dessas imagens: seja qual for o espaço em que elas aparecem, elas assumem um novo significado. Por exemplo, a imagem de capa do The New Black Vanguard vem das fotografias de Tyler Mitchell para a Vogue – um anúncio de beleza e um anúncio de batom. Mas você não percebe isso na capa da Vogue.
Justin Solomon, Things We Carry (Coisas que carregamos), 2019. Cortesia do artista.
Iniciei algumas dessas conversas em The New Black Vanguard, e queria explorar mais. A exposição é uma série de trabalhos pessoais, nenhum deles é para uma marca ou anunciante. Ela se expande para incluir outros nesta ideia que chamo de A Nova Vanguarda Negra. Você tem novos fotógrafos como Justin Solomon, sediado em St. Louis, que pensa sobre sombras, sobre o desejo dentro das amizades e silhuetas muito bonitas. Uma investigação sobre identidade, mas através de uma tração agitada mais abstraída. E Arielle Bobb-Willis, que pensa sobre o corpo e sobre pintores do século 20 em relação às suas fotografias, como Jacob Lawrence.
Assim, na indefinição do conceitual e do comercial, os artistas simplesmente fazem as imagens que querem fazer, enquanto puxam referências e inspiração de suas próprias vidas, mas também da nossa história e da história da fotografia. Todas essas coisas colidem em suas imagens, tornando-as um texto muito rico para se ler.
Ruth Ossai, My Heart Is Clean (Meu coração está limpo), Lagos, Nigéria, 2018. Cortesia da artista.
C&: A cumplicidade colaborativa entre artista e modelo está muito presente na exposição, frequentemente criando novas possibilidades visuais. Como você acha que a dinâmica entre artistas e modelos tem mudado nos últimos anos?
AS: Era uma vez a época em que você entrava em um set e fazia exatamente o que o fotógrafo mandava. Agora há um pouco mais de colaboração. Ruth Ossai, por exemplo, frequentemente fotografa sua família, e muitas vezes eles têm rédea livre para escolher o que vão vestir, e coisas assim. Mas também acho importante entender que a câmera é controle. Em última análise, a pessoa por trás da câmera é a pessoa no controle de fazer essas imagens. E eles são os verdadeiros autores dessas imagens. E assim, embora haja uma mudança na forma como as imagens são feitas, permitindo um pouco mais de colaboração, em termos de autoria, estou mostrando o trabalho de oito artistas. E essas imagens pertencem a eles. Acho importante pensar sobre a colaboração em suas práticas, e em como isso é um ato de generosidade, mas, ao mesmo tempo, isso ocorre muitas vezes dentro de uma visão que os fotógrafos estabelecem. Não quero dizer que há uma relação igual entre alvo e fotógrafo, porque não há. E, historicamente, nunca houve. Em última análise, esses fabricantes de imagens estão expressando seus desejos e exercendo seu poder e seu agir sobre a fotografia, o que é maravilhoso.
Joshua Woods, Black Power (Poder negro), 2019. Cortesia do artista.
C&: Você pode falar mais sobre seus próximos projetos?
AS: Na mesma semana em que essa exposição será inaugurada, vai sair um livro que editei: Young, Gifted and Black: A New Generation of Artists (Jovem, talentoso e negra: uma nova geração de artistas). Ele apresenta um grupo inteiro de artistas que emergiu ao longo da última década, de Eric Mack a Jordan Casteel, Kevin Beasley, Johnathan Lyndon Chase e Jennifer Packer, e daí para seus predecessores imediatos. Esse livro é realmente sobre uma geração de artistas negros que está deixando sua marca na arte contemporânea. Esse foi um projeto muito divertido, porque surgiu a partir de uma coleção privada – a coleção Lumpkin Boccuzzi. Dois homens gays que vivem em Nova York, que eu conheço, e que colecionaram esses trabalhos na última década, realmente se tornaram patronos, apoiadores e campeões desses artistas. Isso é muito importante, porque muitas vezes não pensamos em como a arte vai parar nas paredes dos museus, ou quem são as pessoas que ajudam os artistas quando seu trabalho ainda não está em voga. Quem realmente acreditava neles e os ajudava, não só financeiramente, mas também em termos de conexões com curadores e assim por diante. Por um lado, é a história de uma geração de artistas, por outro, é uma história sobre como as coisas são feitas.
É importante que o mundo da arte seja muito mais transparente sobre como os artistas entram em museus, mas também sobre a consciência. Muitas vezes, e antes dos museus colecionarem artistas negros, havia patronos negros que faziam o trabalho de garantir que uma obra fosse entendida, valorizada, colecionada e preservada. Isso permitiu que os artistas se movessem para o mainstream. Aquele tipo de silencioso alimento que permite o seu crescimento quando as luzes não estão em você. Quis fazer o projeto para garantir que uma dessas histórias fosse contada, mas, de um modo geral, esses também são artistas com os quais cresci em Nova York. Quando comecei a escrever, eles também estavam no início de suas carreiras. Enquanto eu crescia como escritor e curador, esses artistas também cresciam ao meu lado. Estou envolvido no trabalho deles há uma década. Então, de certa forma, esta é uma pedra angular da minha juventude e da juventude deles em Nova York.
Just Pictures (Apenas Fotografias) está sendo apresentado por Barrett Barrera Projects na projects+gallery, em St. Louis, EUA, até 21 de novembro de 2020 Entrevista conduzida por Will Furtado.
Tradução: Cláudio Andrade