C&AL: A respeito da questão dos sonhos e da Bienal Paiz, na Guatemala, o que mais o entusiasma na transformação e na reinvenção dos seres humanos?
EOR: Quando estou no Mémorial ACTe, em Guadalupe, onde há materiais muito fortes conectados com a escravidão, entendo que meus ancestrais estão me dizendo “acorda, que é a sua vez de falar sobre isso”. Para a Bienal de Arte de Paiz, o tema que proponho é a fronteira entre Haiti e República Dominicana. Estou mortificado porque estão começando a construir um muro ali, e isso é algo que me comove e inquieta. Os mercados haitiano-dominicanos são muito peculiares e inspiradores. A parte figurativa que represento são mulheres, aquelas que gerenciam a economia. E há uma relação entre o dinheiro e a mulher. Vemos isso em nossa cultura, que dependemos uns dos outros, dependemos da parte econômica, temos que negociar porque é importante ter esse diálogo. O dinheiro faz com que tenhamos de ser amáveis. E também temos a presença da botânica: porque vendemos frutas, vendemos sustento, porque comemos o mesmo, isso é algo que temos que ter muito claro, dizem que somos muito diferentes, mas gostamos de raízes, mandioca, batata-doce, inhame, banana, é o que mais vende. Essa relação botânica é o que me interessa capturar na Bienal de Paiz. Estou fazendo um mapa com uma folha chamada “malha haitiana” (Bromelia pinguin – caraguatá comum), que nem sequer é nativa das Antilhas, é mais de Abya Yala e da Mesoamérica. É um tipo de abacaxi/ananás espinhoso e enorme. E veja que há a ideia de chamar de “haitiano” algo que é impenetrável, que se utiliza para separar. Tomei isso como um sinal para usá-la como papel e fazer esse mapa botânico da separação haitiano-dominicana, pensando de forma utópica que prefiro que continue sendo uma paisagem de separação natural, porque há tantas separações naturais, por exemplo, o idioma. Por que erguer mais um muro? Isso só vai prejudicar, mais do que o ser humano, a natureza, os mangues que estão sendo cortados, os seres vivos que precisam atravessar.
Eliazar Ortiz Roa (1981, República Dominicana) é pintor e pesquisador botânico. Explora processos quilombolas, a identidade afro-antilhana, o território, o corpóreo e o decolonial através da manipulação de seu ambiente natural mediante pigmentos e outros sincretismos materiais.
Sheila Ramirez (2000, Santiago de Cuba) é designer e pesquisadora cubano-angolana. Explora, através de arquivos visuais e sonoros, a relação afetiva entre as pessoas e os objetos ao seu redor. Atualmente, está materializando sua pesquisa através do projeto The Archive Room.
Tradução: Marie Leão