Guatemala

Imaginando futuros cuir com Martin Wannam

Na experiência do artista guatemalteco, tanto a arte quanto a dissidência sexual são algo intrínseco e expressam-se mutuamente. Através de seus trabalhos visuais, Wannam quer dar visibilidade a questões estruturais que afetam diversas comunidades da Guatemala e de muitos outros lugares do mundo.

C& AL: Como começou o projeto que está exibindo na Bienal e por que o escolheu?

MW: Na bienal, apresento duas obras: Ser hueco en mi país (2019) e uma instalação fotográfica chamada Bailando en mi legado y Brillantina (2023). Originalmente, ia exibir outras obras, mas, devido ao conteúdo de “símbolos pátrios”, os advogados da fundação disseram que eu não podia. De qualquer forma, creio que estas duas obras provocam um grande questionamento para mim e para a Guatemala. Selecionei Ser hueco en mi país porque ela continua sendo relevante em vista à discriminação dos corpos cuir, tanto no aspecto físico quanto através da linguagem. Na documentação da performance, estou em frente ao Palácio Nacional, e ali, ao som do hino nacional, gravam em mim a palavra “HUECO”. A performance surgiu da necessidade de protestar contra os crimes de ódio, nos quais pessoas do coletivo não apenas eram assassinadas, mas, depois de mortas, ainda tinham palavras depreciativas escritas em seus corpos. Bailando en mi legado y Brillantina é uma instalação que criei para questionar o que significa o legado para alguém como eu, Hueco. Nela, tenho três autorretratos com desenhos vetoriais: 1. Fogo: representa o desejo cuir; 2. Texto literal: Dançando no meu legado e brilhantina; 3. Plantas: que representam o selvagem e natural de nosso ser. A instalação inclui o funeral de meu bisavô, de quem provém o sobrenome Wannam (尹鍵南), sete fotografias minhas quando pequeno e o último parágrafo da história de meu bisavô, que meu avô escreveu. Essa obra explora e questiona o meu legado; é uma retrospectiva que preciso expressar e confrontar; a partir daí, consigo refletir sobre como meus questionamentos sob uma perspectiva individual podem constituir uma perspectiva coletiva.

C& AL: Você participa de um coletivo de artistas contra o complexo industrial-prisional. Como iniciou essa cooperação e como utiliza a arte e seu papel de artista nesse contexto?

MW: Essa cooperação começou durante a pandemia. Fui o último membro a aderir. O coletivo, ao qual chamamos fronteiristxs, é formado por Szu-Han Ho, hazel batrezchavez e Bernadine Hernández; nós nos conhecemos durante meu mestrado em Artes Visuais. Szu-Han foi uma das minhas mentoras e hazel também participava do programa. Como coletivo, utilizamos diversas estratégias nas quais a arte e a escrita constituem meios para atingir metas a longo prazo. Estas se alinham a ideais abolicionistas com a criação de economias solidárias baseadas na justiça, sustentabilidade e na cooperação.

Minha função como artista é utilizar minhas ferramentas para criar o futuro que queremos ver. Por exemplo, em 2020, organizamos o Projeto #FreeThemAll Billboards, onde convidamos sete artistas locais latines e indígenas para desenhar painéis publicitários com as mensagens #FreeThemAll e #CareNotCages. Os desenhos foram instalados em vários painéis publicitários perto de prisões, cadeias e centros de detenção em todo Novo México. Este projeto inspirou a autopublicação de nossa série de zines de educação política composta por quatro partes, #FreeThemAll Zines. Cada zine apresentava artistas e autores do Novo México, juntamente com fatos relevantes, cronologias e informações sobre cada tema: O impacto da vigilância; O complexo industrial-prisional; Imigração; Abolição: promulgação de futuros alternativos. Recentemente colaboramos com as organizações Working Classroom, Pueblo Action Alliance e SouthWest Organizing Project a fim de criar o Programa CARE (Ação Coletiva e Educação para a Resistência). O programa envolve jovens em uma série paralela de oficinas sobre Justiça Transformadora juntamente com: 1. Escrita e ativismo, e 2. Arte e ativismo. A primeira iteração do Programa CARE culminou na “Exposição coletiva CARE 2022”, na qual estudantes interpretaram sua poesia e exibiram sua arte na Galeria Nopal de Albuquerque. Em 2023, lançamos HOAA (House of An-Aesthesia), uma performance na qual empregamos táticas de atualização da guerrilha e da moda como ferramentas para interromper o entorpecimento da nossa sociedade diante da vigilância e do controle que experimentamos em nossos espaços cotidianos.

C& AL: Quais são seus próximos planos?

MW: Neste exato momento, estou em uma residência artística no BASEMENT, em Chapel Hill, na Carolina do Norte, onde farei uma exposição individual no início de setembro, na qual exibirei minha obra La Eterna Injusticia, e, em breve, já vou me preparar para uma exposição em Chicago programada para 2024!

Martín Wannam (Guatemala, 1992) é um artista visual e educador. Seu trabalho examina criticamente o clima histórico, social e político da Guatemala, focando na liberdade sonhada pelas pessoas cuir. Concentra-se na interseção de brownness e da utopia cuir, que utiliza fundamentos da iconoclastia e da estética do maximalismo por meio de ferramentas da fotografia, escultura e performance, visando avaliar constantemente as estruturas sistêmicas, como a religião, a colonialidade, o folclore e a supremacia branca.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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