“Escambo é uma palavra muito presente no meu trabalho”, diz o artista Desali, nascido em 1983 em Contagem, região industrial próxima à cidade de Belo Horizonte. A ideia de escambo já não era estranha desde os tempos em que o artista integrava o Piolho Nababo – coletivo anárquico que realizava leilões de arte com lances a partir de R$1,99. Partindo da pichação e das HQs na adolescência, Desali foi ampliando técnicas e pesquisas artísticas através de sua educação formal em Artes. Militante da arte-educação, preocupa-se em levar a ocupação urbana para o museu, a galeria de arte para um boteco de periferia, as oficinas artísticas até áreas de risco – sempre com o envolvimento direto de protagonistas sociais originalmente alheios ao universo das artes. “Há ali uma troca de experiências, um conhecimento acumulado que faço questão de aprender”, diz o artista em entrevista à C& América Latina.
Paisagens
O bairro Nacional, na cidade de Contagem, é meu mundo, é aquilo que entendo como verdade. É a minha base, com a qual me identifico e o que me estruturou como pessoa. É ali que me inspiro, de onde vêm todas as minhas imagens e a relação que crio com outros mundos. Morei em Belo Horizonte, mas estou de novo em Contagem. Meu trabalho de pintura, por exemplo, é dividido em dois blocos: um com paisagens da periferia, das casas, com as cores das casas; e outro com a presença humana. Vou mesclando as técnicas com as propostas. A técnica possibilita ampliar o olhar sobre essa periferia, que é múltipla, que tem, de um lado, essa energia pulsante, dos corpos; e, de outro, esse descanso, essa calmaria que sinto ali onde vivo.
Preço de feira
Essa história é longa, começa com a pichação que eu fazia aqui no bairro na adolescência, no quadrinho underground, com conotação punk, e na intervenção urbana. Mais tarde criamos em Belo Horizonte um coletivo, o Piolho Nababo, que foi um espaço anárquico, de autogestão, uma galeria libertária, sem curadoria, sem essas amarras das instituições. Quem quisesse participar, trazia suas coisas. E a gente foi agregando, agregando, até virar um caos mesmo, com exposições, shows, leilões de arte de 1,99, preços populares, preço de feira. Quando não davam nenhum lance, a gente destruía a obra. Isso foi surpreendendo todo mundo e atraindo pessoas de diversos lugares, desde a periferia até áreas nobres. Passamos por vários espaços independentes da cidade e chegamos até a galeria do Palácio das Artes. A base que tive com a pichação e a anarquia possibilitou essa interação com todos, independentemente das consequências – se desse errado ou certo, tudo era possível.