O artista carioca Mulambö gosta de trabalhar com materiais, objetos e imagens considerados “simples”, mas que têm uma carga histórica e uma subjetividade enormes. Feliz mesmo ele fica quando sua arte volta para a escola e chega às crianças e aos jovens: “É o que de fato faz o trabalho ganhar vida”.
Mulambö, Poder. Foto: Foto: João da Motta.
Mulambo, As dificuldades de manter os pés no chão. Chinela e arame, 2019. Foto João da Motta.
Mulambö, Boca Nariz. Foto: Foto: João da Motta.
João da Motta nasceu em 1995, em Saquarema, interior do Rio de Janeiro, e enveredou para a arte ainda jovem, a princípio fascinado pelas histórias em quadrinhos, por desenhos animados e ilustrações digitais. Usando o nome artístico de Mulambö, ele segue com um trabalho que começou a ser mostrado em 2019 e encanta pela simplicidade e originalidade. Mulambö busca, como ele próprio gosta de dizer, “a valorização de símbolos do existir suburbano no Rio de Janeiro”. Usando tanto pinturas quanto objetos e escolhendo a internet como plataforma de trabalho, o artista revela: “Faço arte para afirmar que não tem museu no mundo como a casa da nossa vó”.
C&AL: Conte-nos um pouco sobre você: De onde você vem e qual é sua formação como artista?
Mulambö: Eu me chamo João e cresci Mulambö na Praia da Vila, em Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Antes de ser artista, sou neto, filho, irmão, padrinho, torcedor do Flamengo e membro da Escola de Samba Acadêmicos do Sossego. E justamente por isso tudo acabei sendo artista também de tabela. Minha formação vem de várias frentes: desde as histórias em quadrinhos até alguns cursos que tive a possibilidade de fazer, como a bolsa de formação do Galpão Bela Maré, mas eu diria que minha escola mesmo foi o Carnaval. E não necessariamente as escolas de samba, mas a ideia de carnavalização como um todo e como isso influencia nossa forma de contar histórias.
Mulambö, As dificuldades de manter os pés no chão. Chinela e arame, 2019. Foto João da Motta.
C&AL: Por que Mulambö?
M: Quando eu era pequeno, estava sempre jogando bola e sempre muito sujo de rua. Aí minha mãe sempre falava que eu estava todo “esmulambado”. Quando comecei com esse trabalho que faço hoje, minha ideia era estar sujo de tinta do mesmo jeito que estava quando brincava na rua.
C&AL: Como a questão da ancestralidade e da opressão social aparecem em seus trabalhos?
M: A ancestralidade aparece como necessidade e a opressão social como sequela.
C&AL: Qual importância do uso de, digamos, “restos” como um elemento de sua arte?
M: Os “restos” surgem no trabalho como a única possibilidade que eu tinha no começo da minha trajetória, porque eu não tinha dinheiro para comprar material, telas, tintas e tudo mais. Então comecei a catar pedaços de madeira e papelão na rua e usava tintas de material de construção que tinha em casa. Com o passar do tempo, meu trabalho foi se desenvolvendo e esses elementos se tornaram uma escolha: trabalhar com materiais, objetos, símbolos, signos e imagens que são considerados mais simples, mas que têm uma carga histórica e uma subjetividade enormes. Por exemplo, pintar uma vassoura sem esconder que aquilo é uma vassoura. E não só visualmente, mas em sua funcionalidade também. É uma tentativa de usar as coisas que nos cercam para falar da gente.
C&AL: O que você quer dizer com essa frase: “não tem museu no mundo como a casa da nossa vó”?
M: Pensar um pouco de forma pessoal, a nossa história, a nossa família, nosso lugar, e definir isso como ponto de partida. “A casa da nossa vó” como lugar de aprendizado e memória, mas também de segurança e futuro. Um lugar que mistura tempos e nos faz olhar e andar para frente e para trás.
Mulambö, Pai Peuqeno – Coluna. Foto: João da Motta.
Pensar um pouco de forma pessoal, a nossa história, a nossa família, nosso lugar, e definir isso como ponto de partida.
C&AL: Conte um pouco sobre como você tem mostrado seu trabalho.
M: Minha primeira exposição individual foi a Tudo nosso no Museu de Arte do Rio, em 2019, que aconteceu graças ao convite do curador Marcelo Campos. Essa exposição mudou minha vida. A partir daí, ainda em 2019, foram mais duas exposições: a Reservado para pixador amador, no Centro de Artes UFF, em Niterói, e a Prato de pedreiro, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro. Todas muito próximas. Com exceção da do MAR, foram totalmente independentes e a curadoria foi minha. Esse processo foi de muito aprendizado e correria. Agradeço muito a minha namorada, a também artista Ana Bia Silva, que me ajudou bastante nesse período.
Para compartilhar um pouco da história dessas exposições que mudaram de vez minha vida, fiz um livro, que está disponível para download gratuito no meu site, onde tento mostrar o máximo do processo de todas as mostras. Depois disso, realizei a Traçantes, no SESC Santana em São Paulo, a Mulambö todo de ouro, na Galeria Portas Vilaseca, no Rio de Janeiro, e a Out of many, muchos más no espaço Das Schaufenster, em Seattle, nos EUA – a curadoria de todas foi minha, com exceção daquela nos Estados Unidos, que teve cocuradoria de Ana Parisi.
Mulambö, Prato de Pedreiro. Foto: João da Motta.
Realizar exposições é o que mais me dá prazer, porque meu processo de desenvolvimento de uma exposição é como se fosse a criação de um desfile, pensando o enredo, os setores e a narrativa através dos trabalhos. Esse ano ainda, se tudo der certo, vou abrir uma exposição no Instituto Pretos Novos, no Rio de Janeiro, onde vou tentar explorar diversas linguagens e formatos partindo da ideia do Ourubu, um símbolo muito presente no meu trabalho. Estou muito animado, porque esse projeto é um retorno a um espaço que recebe muitos estudantes. Fico muito feliz quando meu trabalho volta para o lugar da escola, da molecada, porque é o que de fato faz o trabalho ganhar vida.
Fábia Prates é jornalista com passagem por grandes veículos brasileiros. Atualmente escreve sobre temas relacionados a cultura, comportamento e comunicação corporativa.