Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography (Navegando as ondas: fotografia cubana contemporânea) explora a forma pela qual artistas da fotografia em Cuba navegaram a expressão artística sob um regime político severo, que alegava ter eliminado o racismo e o sexismo. Artistas como Juan Carlos Alom e René Peña contestam essas narrativas por meio de técnicas como a utilização de filmes vencidos e do simbolismo religioso afro-cubano.
Fotografia cortesia do Museum of Fine Arts, Houston.
Em 1962, Fidel Castro dirigiu-se à segunda Assembleia Nacional do Povo de Cuba, que tomou lugar na icônica Praça da Revolução no topo de uma montanha em Havana. Poucos dias antes do início do longo bloqueio comercial da ilha e meses antes da Crise dos mísseis de Cuba ter danificado irreparavelmente sua relação com o continente, Castro fez uma declaração desconcertante. Disse que, graças à Revolução, Cuba seria agora um país que “suprimiu a discriminação por motivo de raça ou sexo” totalmente.
Alberto Korda, Heroic Guerrilla (Guerillero heroico), 1960, impresso em 1995, impressão em gelatina e prata, Museum of Fine Arts, Houston, compra do museu financiada por Dan e Mary Solomon. © Estate Alberto Korda
Da perspectiva ampliada do século 20 – com décadas de pesquisas demonstrando que o racismo e o sexismo operam de forma sistemática, institucionalizada e duradoura – a declaração parece absurda. Essas não são questões que podem ser resolvidas por decreto. Mas, em Cuba, o pronunciamento se tornou um componente importante do mito revolucionário, e questioná-lo passou a ser um ato de traição. As respostas de artistas de Cuba a tal censura constituem um dos pilares da exposição inaugurada recentemente no Museu de Belas-Artes de Houston (MFAH), Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography (Navegando as ondas: fotografia cubana contemporânea).
A frase “navegando as ondas” é uma metáfora para como artistas em Cuba tiveram que burlar a censura, lidar com a pobreza generalizada e a falta de material fotográfico, e, de alguma forma, conseguir continuar a criar. A exposição cobre o período de 1959 até os dias atuais e reúne os vários recursos inteligentes e por vezes velados através dos quais as pessoas que faziam fotografia em Cuba afirmaram sua liberdade, ao mesmo tempo em que enfrentavam enormes restrições. Além de apresentar a coleção extraordinária de fotografia cubana do MFAH, a exposição ainda faz uma análise lúcida do curso da fotografia em um país onde as circunstâncias são tão diferentes do mundo globalizado e interconectado das imagens aparentemente infinitas da internet.
Juan Carlos Alom, A metade do mundo, da série O livro escuro, 1996, Impressão em gelatina de prata, Museu de Belas Artes de Houston, Coleção Madeleine P. Plonsker, Doação de Madeleine e Harvey Plonsker, 2024.238, © 1996 Juan Carlos Alom
O desafio de mencionar o racismo sem trair o governo revolucionário é um tema importante em toda a exposição, na qual as obras inquietantes de Juan Carlos Alom e René Peña captam a questão de forma mais contundente. A maioria dos painéis sombrios e misteriosos de Alom fazem parte de sua série El libro oscuro, dos anos 1990, conhecido como “Período Especial” – quando a economia de Cuba despencou após o fim do apoio de uma União Soviética que havia entrado em colapso. Diante da grave escassez de material fotográfico, Alom economizou, utilizando filmes com a data de validade vencida e produtos químicos de raio X para revelar seus negativos. Materiais fotográficos velhos tendem a ser menos sensíveis à luz, resultando na natureza crepuscular do libro oscuro, concebido pelo artista como um compêndio de mitos afro-cubanos inventados. Em La mitad del mundo, uma única perna com um grilhão no tornozelo emerge de um círculo de areia e a escuridão se estende até os cantos da imagem. O resto do corpo está enterrado ou estamos testemunhando um desmembramento? É a areia de uma praia ou do fundo do mar? As únicas alusões claras são aos horrores da Passagem do Meio e à escravidão, abolida em Cuba em 1886.
Para ajudar a apaziguar a população, que enfrentava uma pobreza desesperadora, o Período Especial trouxe uma flexibilização das restrições governamentais, incluindo as interdições religiosas. À medida que as práticas devocionais afro-cubanas, como a Santería, tornaram-se mais amplamente aceitas, René Peña encontrou uma fonte de inspiração. Em sua série Ritos, ele utilizou seu próprio corpo para criar alusões a rituais sacerdotais e oferendas religiosas como sacrifícios de galinhas (Ritos 1). Como declarou à curadoria: “Naquele tempo [1992], o governo decidiu dar às pessoas pequenas galinhas para serem criadas em casa, a fim de serem comidas mais tarde […] Esse elemento, uma galinha, é algo muito utilizado na religião afro-cubana, mas, ao mesmo tempo, fazia parte da religião do governo.”*
René Peña González, Sem título, da série Ritos I, 1992, Impressão em gelatina de prata, Museu de Belas Artes de Houston, Aquisição financiada por Clinton T. Willour em homenagem a Martha Skow, 94.778
Talvez o melhor da exposição seja o fato de que nem todas as obras exibidas vão contra a corrente. As fotografias alusivas de Alom e Peña aparecem no contexto da tradição fotográfica da Revolução, que produziu imagens icônicas como o retrato de “Che” Guevara, Guerrillero heróico, de Alberto Korda, antes que ela ganhasse nova vida como propaganda. Essas fotografias anteriores exibidas na galeria transmitem muitas vezes a esperança por uma nova ordem que incluísse a igualdade racial como um objetivo em comum. A série de retratos de um grupo racialmente diverso de veteranos Los veteranos, de Iván Cañas, e a série Los centenarios, de Pedro Beruvides, que mostra rostos de pessoas Negras idosas em close bem fechado, expressam ambas consciência e idealismo.
Fotografia cortesia do Museu de Belas Artes de Houston
Sem dúvida, o Período Especial constitui o cerne da exposição. Uma época de enormes mudanças sociais, que também anunciou o momento no qual as pessoas que fotografavam em Cuba começaram a atrair uma atenção internacional sustentada, especialmente após a FotoFest de Houston, em 1994, que promoveu a exposição histórica The New Generation: Contemporary Cuban Photography from the Island (A nova geração: fotografia contemporânea cubana da ilha), na Coleção Menil. As primeiras aquisições de obras cubanas do MFAH também datam da FotoFest, mas expandiram-se consideravelmente com a aquisição da Coleção Madeline P. Plonsker, em 2022, – da qual provém grande parte da exposição – e a doação recente de quase 300 obras por parte da família de Iván Cañas. Com esta mostra compacta, a curadoria composta por Malcolm Daniel e Raquel Carrera dá continuidade à tradição de promover a fotografia cubana e artistas da África/América Latina na cidade texana.
A exposição Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography, está em cartaz no Museu de Belas-Artes de Houston, Texas, E.U.A., até o dia 3 de agosto de 2025
Mari Carmen Barrios Giordano é uma escritora, pesquisadora e curadora mexicana. Escreve críticas de arte e ensaios para a ARTnews, Revista Cubo Blanco, Literal Magazine e La Tempestad. Estudou História e Relações Internacionais na Universidade de Stanford e História da Arte na Universidade Nacional Autônoma do México, especializando-se em fotografia latino-americana e arte contemporânea. IG: @mcbg_barrios
* Malcolm Daniel & Raquel Carrera, Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography (Texas: The Museum of Fine Arts, Houston, 2024), 22.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva