Cuba

Navegando escassez, raça e religião na fotografia cubana

Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography (Navegando as ondas: fotografia cubana contemporânea) explora a forma pela qual artistas da fotografia em Cuba navegaram a expressão artística sob um regime político severo, que alegava ter eliminado o racismo e o sexismo. Artistas como Juan Carlos Alom e René Peña contestam essas narrativas por meio de técnicas como a utilização de filmes vencidos e do simbolismo religioso afro-cubano.

Da perspectiva ampliada do século 20 – com décadas de pesquisas demonstrando que o racismo e o sexismo operam de forma sistemática, institucionalizada e duradoura – a declaração parece absurda. Essas não são questões que podem ser resolvidas por decreto. Mas, em Cuba, o pronunciamento se tornou um componente importante do mito revolucionário, e questioná-lo passou a ser um ato de traição. As respostas de artistas de Cuba a tal censura constituem um dos pilares da exposição inaugurada recentemente no Museu de Belas-Artes de Houston (MFAH), Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography (Navegando as ondas: fotografia cubana contemporânea).

A frase “navegando as ondas” é uma metáfora para como artistas em Cuba tiveram que burlar a censura, lidar com a pobreza generalizada e a falta de material fotográfico, e, de alguma forma, conseguir continuar a criar. A exposição cobre o período de 1959 até os dias atuais e reúne os vários recursos inteligentes e por vezes velados através dos quais as pessoas que faziam fotografia em Cuba afirmaram sua liberdade, ao mesmo tempo em que enfrentavam enormes restrições. Além de apresentar a coleção extraordinária de fotografia cubana do MFAH, a exposição ainda faz uma análise lúcida do curso da fotografia em um país onde as circunstâncias são tão diferentes do mundo globalizado e interconectado das imagens aparentemente infinitas da internet.

O desafio de mencionar o racismo sem trair o governo revolucionário é um tema importante em toda a exposição, na qual as obras inquietantes de Juan Carlos Alom e René Peña captam a questão de forma mais contundente. A maioria dos painéis sombrios e misteriosos de Alom fazem parte de sua série El libro oscuro, dos anos 1990, conhecido como “Período Especial” – quando a economia de Cuba despencou após o fim do apoio de uma União Soviética que havia entrado em colapso. Diante da grave escassez de material fotográfico, Alom economizou, utilizando filmes com a data de validade vencida e produtos químicos de raio X para revelar seus negativos. Materiais fotográficos velhos tendem a ser menos sensíveis à luz, resultando na natureza crepuscular do libro oscuro, concebido pelo artista como um compêndio de mitos afro-cubanos inventados. Em La mitad del mundo, uma única perna com um grilhão no tornozelo emerge de um círculo de areia e a escuridão se estende até os cantos da imagem. O resto do corpo está enterrado ou estamos testemunhando um desmembramento? É a areia de uma praia ou do fundo do mar? As únicas alusões claras são aos horrores da Passagem do Meio e à escravidão, abolida em Cuba em 1886.

Para ajudar a apaziguar a população, que enfrentava uma pobreza desesperadora, o Período Especial trouxe uma flexibilização das restrições governamentais, incluindo as interdições religiosas. À medida que as práticas devocionais afro-cubanas, como a Santería, tornaram-se mais amplamente aceitas, René Peña encontrou uma fonte de inspiração. Em sua série Ritos, ele utilizou seu próprio corpo para criar alusões a rituais sacerdotais e oferendas religiosas como sacrifícios de galinhas (Ritos 1). Como declarou à curadoria: “Naquele tempo [1992], o governo decidiu dar às pessoas pequenas galinhas para serem criadas em casa, a fim de serem comidas mais tarde […] Esse elemento, uma galinha, é algo muito utilizado na religião afro-cubana, mas, ao mesmo tempo, fazia parte da religião do governo.”*

Talvez o melhor da exposição seja o fato de que nem todas as obras exibidas vão contra a corrente. As fotografias alusivas de Alom e Peña aparecem no contexto da tradição fotográfica da Revolução, que produziu imagens icônicas como o retrato de “Che” Guevara, Guerrillero heróico, de Alberto Korda, antes que ela ganhasse nova vida como propaganda. Essas fotografias anteriores exibidas na galeria transmitem muitas vezes a esperança por uma nova ordem que incluísse a igualdade racial como um objetivo em comum. A série de retratos de um grupo racialmente diverso de veteranos Los veteranos, de Iván Cañas, e a série Los centenarios, de Pedro Beruvides, que mostra rostos de pessoas Negras idosas em close bem fechado, expressam ambas consciência e idealismo.

Sem dúvida, o Período Especial constitui o cerne da exposição. Uma época de enormes mudanças sociais, que também anunciou o momento no qual as pessoas que fotografavam em Cuba começaram a atrair uma atenção internacional sustentada, especialmente após a FotoFest de Houston, em 1994, que promoveu a exposição histórica The New Generation: Contemporary Cuban Photography from the Island (A nova geração: fotografia contemporânea cubana da ilha), na Coleção Menil. As primeiras aquisições de obras cubanas do MFAH também datam da FotoFest, mas expandiram-se consideravelmente com a aquisição da Coleção Madeline P. Plonsker, em 2022, – da qual provém grande parte da exposição – e a doação recente de quase 300 obras por parte da família de Iván Cañas. Com esta mostra compacta, a curadoria composta por Malcolm Daniel e Raquel Carrera dá continuidade à tradição de promover a fotografia cubana e artistas da África/América Latina na cidade texana.

A exposição Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography, está em cartaz no Museu de Belas-Artes de Houston, Texas, E.U.A., até o dia 3 de agosto de 2025

Mari Carmen Barrios Giordano é uma escritora, pesquisadora e curadora mexicana. Escreve críticas de arte e ensaios para a ARTnews, Revista Cubo Blanco, Literal Magazine e La Tempestad. Estudou História e Relações Internacionais na Universidade de Stanford e História da Arte na Universidade Nacional Autônoma do México, especializando-se em fotografia latino-americana e arte contemporânea. IG: @mcbg_barrios

* Malcolm Daniel & Raquel Carrera, Navigating the Waves: Contemporary Cuban Photography (Texas: The Museum of Fine Arts, Houston, 2024), 22.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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