12ª Bienal de Berlim

Susana Pilar: Reivindicando espaços através da performance

Uma conversa com a artista cubana Susana Pilar Delahante sobre sua trajetória e a obra apresentada por ela na 12ª Bienal de Berlim, aberta até o dia 18 de setembro de 2022.

C&AL: Como você foi construindo suas próprias estratégias para decolonizar e despatriarcalizar os arquivos da memória? Como essas ideias começaram a fazer parte da sua prática artística? Há palavras ou ideias que lhe orientam quando se trata deste tipo de obras?

SPD: Não sei quando tudo começou, não me lembro. Só sei que o “Arquivo” não me representa da mesma forma que me vejo. Não sou um número. Nem eu nem os que me antecederam. Entendi que essa realidade escrita pela mesma mão que suprimiu meus ancestrais não era a minha e que cabia a mim ir buscar respostas em outro lugar. E chegaram os anciões com todas as histórias guardadas no coração, e aprendi que venho do Congo e também de Serra Leoa, que um chinês saiu de Cantão e veio parar em Matanzas para vir a ser meu tataravô, que não fomos escravos, mas, sim, escravizados e muitas coisas mais. Resistência, luta, arquivo familiar, mães, negras, negritude – são algumas destas palavras que me orientam.

C&AL: Alguns de seus trabalhos recentes estabelecem um diálogo incisivo com os espaços físicos onde são apresentados e evocam as memórias vinculadas a esses lugares. Penso em suas intervenções na Bienal de Veneza (Dibujo intercontinental, 2017) e na Bienal de Dakar (Historias negras, 2022). O que lhe interessava evidenciar ou colocar em destaque nesses dois lugares? Como o peso histórico do lugar afeta o conceito de suas obras?

SPD: Há um processo de retroalimentação entre o que quero comunicar, o contexto onde me encontro e as ferramentas de que me utilizo. Muitas de minhas performances são in situ e estão carregadas da história e da energia do lugar onde as realizo. Dibujo intercontinental e Re-territorialización acontecem em um país que mantém um grande número de migrantes desprotegido em um estado de limbo, em sua maioria africanos. O barco que arrasto é minha herança, minha história, meus ancestrais, a travessia a que foram forçados… e os cabelos que arranco representam o deslocamento involuntário, a deslocação e o desenraizamento. Historias negras toma lugar no país do qual meus ancestrais foram sequestrados e escravizados, sem direito a retorno.

C&: Vi em seu Instagram a performance que você fez durante a 12ª Bienal de Berlim. A ação é acompanhada de um poema que lhe concede muita força e profundidade. Você me contou que fez isso sem aviso prévio. O que a levou a tal? Seus movimentos me lembram dos que as esportistas realizam quando estão se preparando para uma corrida ou para fazer um esforço difícil. Sua expressão é séria, até mesmo zangada. Sinto que existe um corpo que já não está mais apenas em atitude de resistência, mas a postos, com todas as suas forças reunidas para o que vier, para o impensável. Fale sobre as ideias e sensações teve enquanto concebia e realizava a ação e a que altura da Bienal ela aconteceu.

SPD: Fiz esta performance intitulada Warming up (Aquecimento) de forma espontânea e sem aviso prévio. Ela aconteceu durante a inauguração da Bienal, em um de seus espaços principais, chamado KW. A ação que realizo representa como me senti em relação a esse evento e o poema (que por sua vez funciona como statement da obra) fornece contexto à ação. Durante a preparação para minha participação na Bienal, eu me senti silenciada, usada, minimizada, maltratada e censurada por toda a equipe da Bienal (com a exceção de Kader Attia).

Durante a abertura da Bienal de Berlim, eu estava ali (cheguei sozinha) presente e ausente, invisibilizada por uma grande estrutura de poder. Não tinha uma obra em exibição (porque todas as obras e soluções que propus foram recusadas ou postergadas), a ponto de estar ali, em minha própria inauguração, sem uma obra. Encontrei amigos que diziam:“onde está sua obra?”, e outros que me perguntavam: “você está aqui para visitar a Bienal?”, ou: “por que o seu nome não aparece no flyer?” Eu era isso, uma visitante em minha própria inauguração, sem “permissão” nem “ autoridade” para expor a minha obra. Pediram-me paciência, mais paciência, e que esperasse até depois da inauguração. Eu me senti abusada psicologicamente. Uma amiga me disse que havia pesquisado o significado de “gaslighting”. Tentei ficar calma, mas meu sangue estava fervendo, e me perguntei: “Quem é você e por que está aqui?” A resposta me veio à mente sob a forma desta obra. Era exatamente assim que me sentia, preparando-me para uma corrida que era interrompida várias vezes, na qual não me permitiam cruzar a linha de chegada.

Decidi fazer essa ação por minha própria conta e reclamar o meu espaço. Houve resistência, mas fui mais forte. A raiva emanava de meu rosto perante a pressão verbal e sabotagem física dos censores que obstruíam a obra. Mas fui mais forte. Eu me senti empoderada ao me apropriar do que era meu e informar ao público que eu também estava presente.

Nota 1: Escrevi este poema na mesma noite, no hotel, e o terminei no dia seguinte enquanto viajava de trem.

Nota 2: A Bienal concordou em exibir o documentário em vídeo, mas não o poema, que é parte da obra.

Atualização (um mês): gostaria de ressaltar que a comunicação e interação com a equipe técnica da Bienal melhorou nas últimas semanas, o que terá um impacto positivo durante minhas próximas apresentações em agosto e setembro.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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