Sentada em uma escadaria, uma mulher jovem apoia o corpo de seu filho sobre as pernas, envolve o torso dele com os braços e acaricia seu rosto ensanguentado. Não ouvimos o que ela sussurra para ele e também não conseguimos ler seus lábios através da máscara. Não há palavras.
Esta cena é uma ação realizada pela organização cultural Jovens Criadores do Chocó, em frente ao edifício da prefeitura de Quibdó, na Colômbia, como denúncia dos massacres de jovens na cidade. Usando todos os meios à sua disposição, as e os artistas deram um grito de socorro com a determinação de quem não suplica, e sim exige.
Isso aconteceu poucos dias antes do início da greve nacional na Colômbia, em abril de 2021. Porém, se olhada a partir de Quibdó, a ação não foi um prelúdio da mobilização em massa, mas a continuação de um movimento cultural que se fortaleceu desde a poderosa greve cívica de 2017, com presença nas principais capitais do oeste do país, onde as demandas que as pessoas negras e indígenas apresentam ao Estado fazem parte de uma longa lista de demandas populares antirracistas e decoloniais – que visam garantir vida digna e soberania sobre seus territórios ancestrais.
O território não é apenas o que mostra o cartão-postal da margem do rio Choromandó, em Quibdó, mas o que, nas palavras da líder afro-colombiana Francia Márquez Mina:
“traz a possibilidade real de dar à luz liberdade, autonomia, autodeterminação… A partir do senso de comunidade, o território nos permitiu ser negros a partir do desenvolvimento de nossas identidades coletivas e individuais. O território é o espaço para o Ser, e aqui colocamos em prática o conhecimento ancestral da nossa cultura, que é transmitida de geração em geração.” (Ensaio em Futuro en Tránsito, 2020)
Coletivos como Mareia, Andamio Teatro, Mojiganga, Dementes Conscientes, Nepono Werara, Made in Chocó, Orika, Black Boys e Jóvenes Creadores del Chocó, entre outros, compõem a primeira linha de ação artística contra a máquina da morte do conflito armado colombiano. Seu trabalho não consiste apenas na consolidação de ambientes seguros e treinamento para a juventude de Quibdó. Além disso, em um lugar onde instituições estatais colombianas, cooperação internacional, organizações sem fins lucrativos e empresas culturais privadas instrumentalizam até mesmo os gestos humanos mais espontâneos, seu compromisso vital consegue, por vezes, escapar do cálculo de políticas que minam a solidariedade, reproduzem a colonização e patrocinam a desapropriação da vida com a racionalidade do mercado.
Em um exercício constante de negociação pelo sentido do comum, seu trabalho é a manifestação da greve humana perpétua que reafirma a vida acima de tudo e resiste à necropolítica. Sua arte é a de criar e defender a liberdade.
No entanto, enquanto se continuar permitindo que uma administração centralista da cultura maneje o financiamento e gerencie seu alcance público, o resultado das experiências e dos experimentos que são desenvolvidos no Chocó continuará a ser utilizado para estimular uma lógica de competição e exposição. Essa lógica marginaliza o trabalho artístico coletivo das redes de intercâmbio e apoio transnacionais, afro-diaspóricas e do Sul Global. Esses coletivos lutam não apenas pela autodeterminação econômica, e portanto política, mas justamente pela consolidação de uma frente contra-hegemônica que contribua para fechar esse ciclo histórico de marginalização que o racismo gera.
“Pacundino Chalá… durante as vigílias noturnas, quando chega o coaxar dos sapos, se prepara para ouvir as vozes hesitantes dos anciãos que lhe contam como foram arrancados de suas próprias construções, submetidos à iniquidade do despotismo impiedoso e obrigados – como bestas – ao trabalho forçado. O mancebo, perplexo com as narrativas ‘terroristas’, pensa que deve aproveitar e desfrutar do dom divino da liberdade para superar tudo isso e ligar-se à sociedade civilizada. Por enquanto, parece quase impossível alcançar seus desejos, ao ver que a ‘escravidão ilegal’ na Colômbia não foi erradicada em sua totalidade, que, de maneira ardilosa e dissimulada, ela ainda se diverte com seus atos de humilhação – tentando eclipsar, através de seu elitismo aberrante, todos os valores provenientes da raça negra …” (Teresa Martínez de Varela, prólogo de Acuarelas del Chocó. Livro resenhado na publicação En honor a la verdad: Teresa Martínez de Varela (1913-1998), de Úrsula Mena Lozano, 2019.)
Nicolás Vizcaíno Sánchez (1991) é um artista, escritor e pesquisador que trabalha a partir das montanhas da Colômbia.
Tradução: Cláudio Andrade