Uma conversa com Elvira Espejo, diretora do Museu Nacional de Etnografia e Folclore da Bolívia, sobre a arte têxtil andina, o olhar parcial de muitos museus, a Bauhaus e Anni Albers.
Fragmento de túnica (uncu) masculina na técnica de tapeçaria. Publicado originalmente em: “Arte Textil Del Peru” (José Antonio Lavalle y José Alejandro González García, 1989).
Pintura de Elvira Espejo. Cortesia da artista.
(Texto originalmente publicado na Revista Humboldt do Goethe-Institut da América do Sul)
A artista e pesquisadora boliviana Elvira Espejo, especialista em arte têxtil e diretora do Museu Nacional de Etnografia e Folclore da Bolívia (MUSEF), aborda a arte das comunidades a partir de seus processos de produção. Considerar esses processos permite ampliar a dicussão sobre as influências da arte têxtil andina sobre o laboratório de têxteis da escola alemã Bauhaus, assim como sobre sua principal artista tecelã, Anni Albers (1899-1994).
C&AL: Como artista e pesquisadora, a partir de que perspectiva você observa a arte têxtil andina?
Elvira Espejo: O estudo da arte me proveu de ferramentas acadêmicas e criativas. Mas creio que o pensamento da comunidade, sua ciência e tecnologia, foram os elementos que me abriram as portas para compreender e questionar, por exemplo, os museus. Depois da formação acadêmica urbana, voltei à comunidade. Ali me perguntaram o que eu havia aprendido na universidade, e minha resposta era baseada na bagagem acadêmica. A resposta das comunidades é que esse universo de conhecimento não ajuda na abordagem da arte têxtil andina, já que as definições são feitas através de uma perspectiva ocidental e da posição social dos acadêmicos, que contrasta com o pensamento da comunidade. A partir desta tensão, procuro discutir a dinâmica do padrão da matéria-prima na produção de arte têxtil, começando pela criação dos animais, o tratamento da matéria-prima e a elaboração do objeto. Essa cadeia nunca esteve exposta nos museus. O que se exibiu ali – por falta de conhecimento – foram objetos sob o rótulo de artesanais. O que me interessa é mudar essas estruturas e aprofundar a ciência e a tecnologia da arte das comunidades.
C&AL: Como a arte das comunidades, especialmente a arte têxtil andina, se entrelaçou com a arte ocidental? Considera que exista uma tensão de influências e reapropriações culturais?
EE: Esse é um tema em que trabalhei muito e no qual encontro vínculos muito fortes. A influência das artes pré-colombianas na arte moderna ocidental é maior do que se pensa. Podemos pensar, por exemplo, na arte moderna do século 20. Na obra de Joaquín Torres-García (Uruguai, 1874-1949) e sua relação com a arquitetura inca. Cesar Paternosto (Argentina, 1931) também vai nessa direção. Por outro lado, encontro na composição geométrica de Pietr Modrian (Holanda, 1872-1944) uma forte relação com os têxteis da cultura Tiahuanaco, da Bolívia. A composição geométrica, a palheta de cores e a iconografia desses têxteis são transportadas diretamente a Mondrian. Os tecidos da cultura Tiahuanaco constituem uma inspiração que ele – assim como outros artistas europeus do século 20 que se aproximaram das culturas americanas – utilizou e sobrepôs em suas obras.
C&AL: No passado, houve uma influência clara e importante da arte têxtil andina sobre o trabalho com têxteis da escola alemã Bauhaus, especificamente o trabalho de Anni Albers. Que tipo de influência foi essa? Como você a analisa?
EE: No caso de Anni Albers, a influência foi um pouco adiante do iconográfico e composicional. Ela visitou as regiões arqueológicas do sul da América Latina e viu de perto a arte têxtil. Procurou decifrar as técnicas através da iconografia têxtil, reinterpretou a composição dos tecidos rumo à arte abstrata e produziu obras que traduzem essa infuência. Todas as réplicas que Albers realizou dos têxteis andinos para composições próprias têm o intento de trabalhar o uso da cor em relação às formas de produção têxtil. Ela trabalhou com gaze, tecelagem dupla e tecelagens únicas. Porém não sistematizou essas abordagens, motivo pelo qual existem muitas lacunas.
Afirma-se que a Bauhaus tinha sua própria coleção de tecidos das comunidades arqueológicas da região andina, fragmentos de têxteis que levaram cortados. Essas amostras, que os mestres da Bauhaus colocavam em cima da mesa como fonte de inspiração, foram catalisadores da reorganização de sua arte e de novos pensamentos estéticos. Entretanto, creio que, pela maneira como a arte abstrata era compreendida naquele momento, a ciência e a tecnologia que sustentam a arte têxtil não foram aprofundadas, ela foi abordada sob a perspectiva da composição, e a reflexão não se baseou na cadeia operacional.
C&AL: No manifesto da Bauhaus de 1919, Walter Gropius escreve: “Arquitetos, escultores, pintores, todos devemos voltar ao artesanato!”. Como você entende essa ideia hoje?
EE: O artista moderno reorientou sua inspiração traçando o caminho do artesanato à arte. Na Europa, a arte era primeiro dos artesãos, depois dos artistas. Atualmente acabam de se iniciar outras linhas de patrocínio da arte. A hierarquização tradicional gerou conflitos, por exemplo, na maneira como os museus compõem a partir dessas diretrizes, a forma como expõem os tecidos como se fossem quadros, sem saber que a leitura da peça têxtil está na frente e no verso. A hierarquização sempre existirá, porque não é um tema apenas social, mas também monetário. Para que isso não afete as abordagens que podem ser feitas, creio que é preciso investigar a ciência e a tecnologia que constituem o mestre. Por outro lado, é interessante analisar como as civilizações antigas influenciaram os artistas, e creio que hoje em dia o mesmo acontece com a arte contemporânea, há muita interpretação e reapropriação. Entretanto, às vezes continua-se caindo no clichê de ver a arte das comunidades como algo exótico. A questão está em que e em como se entende, mas também nas formas pelas quais os processos são sistematizados. Às vezes, só se busca o estalido dos olhos que reinventa ao enxergar a obra.
C&AL: A arte têxtil é uma arte viva. Como as pessoas tecem atualmente nas comunidades?
EE: Há quem diga que as técnicas antigas são 100% preservadas, mas não é assim. Em termos de iconografia, a arte têxtil é dinâmica. Podemos ver motivos de flora e fauna presentes há séculos, mas também elementos da contemporaneidade, como jogadores de futebol ou aviões. Em termos técnicos, tenho mais de mil réplicas, justamente para ver como certas características técnicas foram desaparecendo ou se transformando. Há tecidos que são muito complexos, obras de arte e patrimônios de ciência e tecnologia, que constituem o conhecimento e a educação profunda de uma comunidade. Algumas dessas obras nunca saíram da comunidade. A arte ainda não refletiu sobre isso. O padrão acadêmico sustenta que a educação vem do Ocidente para a América, e essa visão precisa ser rompida. Estou orgulhosa de saber que não é assim. Na arte das comunidades das regiões arqueológicas temos algo complexo, o ruim é que não estamos escrevendo nesse sentido e compete a nós, como jovens, trabalhar mais.
Mary Carmen Molina Ergueta, crítica e ensaísta boliviana, é a autora da entrevista.
Tradução do espanhol de Renata Ribeiro da Silva.