(Texto originalmente publicado na Revista Humboldt do Goethe-Institut da América do Sul)
A artista e pesquisadora boliviana Elvira Espejo, especialista em arte têxtil e diretora do Museu Nacional de Etnografia e Folclore da Bolívia (MUSEF), aborda a arte das comunidades a partir de seus processos de produção. Considerar esses processos permite ampliar a dicussão sobre as influências da arte têxtil andina sobre o laboratório de têxteis da escola alemã Bauhaus, assim como sobre sua principal artista tecelã, Anni Albers (1899-1994).
C&AL: Como artista e pesquisadora, a partir de que perspectiva você observa a arte têxtil andina?
Elvira Espejo: O estudo da arte me proveu de ferramentas acadêmicas e criativas. Mas creio que o pensamento da comunidade, sua ciência e tecnologia, foram os elementos que me abriram as portas para compreender e questionar, por exemplo, os museus. Depois da formação acadêmica urbana, voltei à comunidade. Ali me perguntaram o que eu havia aprendido na universidade, e minha resposta era baseada na bagagem acadêmica. A resposta das comunidades é que esse universo de conhecimento não ajuda na abordagem da arte têxtil andina, já que as definições são feitas através de uma perspectiva ocidental e da posição social dos acadêmicos, que contrasta com o pensamento da comunidade. A partir desta tensão, procuro discutir a dinâmica do padrão da matéria-prima na produção de arte têxtil, começando pela criação dos animais, o tratamento da matéria-prima e a elaboração do objeto. Essa cadeia nunca esteve exposta nos museus. O que se exibiu ali – por falta de conhecimento – foram objetos sob o rótulo de artesanais. O que me interessa é mudar essas estruturas e aprofundar a ciência e a tecnologia da arte das comunidades.
C&AL: Como a arte das comunidades, especialmente a arte têxtil andina, se entrelaçou com a arte ocidental? Considera que exista uma tensão de influências e reapropriações culturais?
EE: Esse é um tema em que trabalhei muito e no qual encontro vínculos muito fortes. A influência das artes pré-colombianas na arte moderna ocidental é maior do que se pensa. Podemos pensar, por exemplo, na arte moderna do século 20. Na obra de Joaquín Torres-García (Uruguai, 1874-1949) e sua relação com a arquitetura inca. Cesar Paternosto (Argentina, 1931) também vai nessa direção. Por outro lado, encontro na composição geométrica de Pietr Modrian (Holanda, 1872-1944) uma forte relação com os têxteis da cultura Tiahuanaco, da Bolívia. A composição geométrica, a palheta de cores e a iconografia desses têxteis são transportadas diretamente a Mondrian. Os tecidos da cultura Tiahuanaco constituem uma inspiração que ele – assim como outros artistas europeus do século 20 que se aproximaram das culturas americanas – utilizou e sobrepôs em suas obras.
C&AL: No passado, houve uma influência clara e importante da arte têxtil andina sobre o trabalho com têxteis da escola alemã Bauhaus, especificamente o trabalho de Anni Albers. Que tipo de influência foi essa? Como você a analisa?
EE: No caso de Anni Albers, a influência foi um pouco adiante do iconográfico e composicional. Ela visitou as regiões arqueológicas do sul da América Latina e viu de perto a arte têxtil. Procurou decifrar as técnicas através da iconografia têxtil, reinterpretou a composição dos tecidos rumo à arte abstrata e produziu obras que traduzem essa infuência. Todas as réplicas que Albers realizou dos têxteis andinos para composições próprias têm o intento de trabalhar o uso da cor em relação às formas de produção têxtil. Ela trabalhou com gaze, tecelagem dupla e tecelagens únicas. Porém não sistematizou essas abordagens, motivo pelo qual existem muitas lacunas.
Afirma-se que a Bauhaus tinha sua própria coleção de tecidos das comunidades arqueológicas da região andina, fragmentos de têxteis que levaram cortados. Essas amostras, que os mestres da Bauhaus colocavam em cima da mesa como fonte de inspiração, foram catalisadores da reorganização de sua arte e de novos pensamentos estéticos. Entretanto, creio que, pela maneira como a arte abstrata era compreendida naquele momento, a ciência e a tecnologia que sustentam a arte têxtil não foram aprofundadas, ela foi abordada sob a perspectiva da composição, e a reflexão não se baseou na cadeia operacional.