Conferências
18 Outubro 2018 - 19 Outubro 2018
MASP / São Paulo, Brasil
detalhe de Índio da floresta (Caboclo), 1963, Rosina Becker do Valle. Obra exposta em Histórias Afro-atlânticas, no MASP.
Arte e Descolonização, seminário que ocorre nos dias 18 e 19 de outubro, é o primeiro evento de um projeto de longo prazo realizado em conjunto entre MASP e Afterall, centro de pesquisa da Universidade de Artes de Londres, e que estabelece uma parceria inédita entre as duas instituições.
O seminário será um fórum para que teóricos da cultura, curadores e artistas da América do Sul, África, Estados Unidos e Europa levantem questões e propostas para a reinterpretação de exposições e coleções dos museus, a partir de leituras que desafiem as narrativas tradicionais da arte fora do eixo europeu.
O evento é gratuito e contará com a participação de: Bambi Ceuppens (Royal Museum for Central Africa, Bélgica), Candice Hopkins (Curadora, Canadá), Elizabeth A. Povinelli (Columbia University, EUA), Estefanía Peñafiel Loaiza (Artista, Equador/França), Esther Gabara (Duke University, EUA), Julieta González (Museo Jumex, México), Lewis R. Gordon (University of Connecticut, EUA), Luciana Ballestrin (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil), Nelson Maldonado-Torres (Rutgers University, EUA), Rolando Vázquez (University College Roosevelt, Holanda), Shela Sheikh (Goldsmiths, Inglaterra), Sheena Wagstaff (Metropolitan Museum of Art, EUA), Suely Rolnik (PUC-SP, Brasil) e Yaiza Hernández Velázquez (Central Saint Martins, Inglaterra).
Programa
Quinta-feira, 18 de outubro 10h-10h30 Introdução
10h30-12h30 ROLANDO VÁZQUEZ | O fim do contemporâneo, a decolonialidade e a tarefa da escuta Museus desempenharam um papel essencial na articulação da divergência entre moderno e colonial, além de terem sido instrumentais na formação do cânone da estética. Vamos trazer à pauta a noção de contemporaneidade. Ao passo que esse conceito surge como o termo que define tanto a arte contemporânea e os museus, ele também permaneceu amplamente subtematizado e suposto como inócuo e inclusivo. A contemporaneidade define um dos eixos principais de diferenciação que constitui a diferença colonial. O eixo da era moderna opera junto de outras formas de exclusão, como raça e gênero. O campo da contemporaneidade consegue estabelecer que pertence ao presente ao mesmo tempo em que faz da novidade um critério estético. A decolonialidade convoca o fim do contemporâneo como condição para a possibilidade de permitir o surgimento de genealogias alternativas de práticas artísticas e curatoriais que transgridem a diferença colonial e incorporam as temporalidades que foram negadas no contemporâneo.
LUCIANA BALLESTRIN | Do pós-colonialismo à pós-democracia? Os limites da democracia liberal na América Latina e o desafio do giro decolonial. Pretendo realizar uma leitura pós-colonial das democracias liberais no Sul Global, com três objetivos principais. O primeiro é o de analisar o contexto global de refluxo das democracias liberais ocidentais e o avanço de projetos autoritários pela via eleitoral, observando a participação da América Latina na onda atual de desdemocratização. O segundo é o de demonstrar como a trajetória da democracia, do liberalismo e do neoliberalismo, marcada e atravessada pela continuidade e resiliência do poder colonial (colonialidade), tornou a trajetória da democracia liberal no continente perigosamente pendular, provisória e, em certo sentido, natimorta. Por fim, gostaria de sugerir que a atualização do projeto anti-pós-decolonial necessita dialogar profundamente com o projeto democrático para problematizar seu conteúdo (neo)liberal, ser capaz de responder ao fascismo tropical ascendente e vincular, no horizonte normativo de refundação, o projeto de descolonização com um projeto democrático não exclusivamente liberal.
NELSON MALDONADO-TORRES | Colonialidade visual e o caldeirão do tempo e do espaço moderno/colonial: notas sobre a colonialidade do ser e a estética decolonial. A modernidade/colonialidade inclui regimes visuais que sustentam e naturalizam concepções e imagens modernas/coloniais de si, dos outros e de sub-outros em referência a formações espaço-temporais dentro das quais espera-se que sujeitos, outros e sub-outros se encontrem. Esta apresentação explorará, por um lado, imagens de descobrimento e conquista, e, por outro, artes visuais que questionam relações contemporâneas de colonização (particularmente da arte porto-riquenha) para elaborar a relevância da colonialidade e decolonialidade do ser para uma estética decolonial.
14h-16h JULIETA GONZÁLEZ | Memórias do subdesenvolvimento, da arte e do giro decolonial na América Latina 1960-1985 A apresentação irá endereçar algumas das preocupações teóricas que nortearam a pesquisa realizada para a exposição Memories of Underdevelopment [Memórias do subdesenvolvimento]. A exposição visava identificar instâncias iniciais de estratégias “decoloniais” nas artes visuais, no cinema e na arquitetura na América Latina durante os anos 1960 e 1970 como forma de resistência à retórica do desenvolvimentismo que prevalecia na região à época. Essas estratégias artísticas precederam em décadas a articulação de teorias acerca da noção de colonialidade e decolonialidade que tiveram origem nos escritos de Aníbal Quijano sobre o assunto no início dos anos 1990, e estavam alinhadas ao tipo de crítica articulado nos campos da sociologia e da economia política dentro da teoria da dependência nos anos 1960. A pesquisa também foi motivada pela necessidade de empreender uma revisão crítica dessas práticas que vai além da categoria de “conceitualismo latino-americano”.
YAIZA HERNÁNDEZ VELÁZQUEZ | Pode um museu nos libertar? Durante o início da década de 1970, os apelos para rever, resistir ou transformar o modelo europeu de museu do século 19 adquiriram um impulso significativo. A mesa redonda do Conselho Internacional de Museus (ICOM) de 1972, em Santiago do Chile, inspirada no projeto político latino-americano de “libertação”, exigiu um museu que fosse integral às comunidades que o servia. O legado desses debates, agora reunidos sob o nome de “Nova Museologia”, expandiu-se na mesma proporção em que foi despolitizado. Esta apresentação tenta extrair um legado diferente dos escritos da museóloga brasileira Odalice Priosti e sua elaboração de uma “Museologia da Libertação”. Com base nas ideias de Priosti, nos perguntamos que recursos tal entendimento do que um museu deveria ser pode oferecer às tentativas contemporâneas de “descolonizar” instituições de arte.
SHEENA WAGSTAFF | Miscelânea enciclopédica Seguindo o modelo europeu dominante, museus enciclopédicos que aspiram a ambições universalistas de abrangência passaram a ser contestados através de certas exposições e campanhas de formação de coleção que reavaliam seriamente a primazia do cânone aceito, mesmo na medida em que são determinados de uma posição privilegiada e irrefutavelmente problemática. O tema desta apresentação é o programa do The Met Breuer, um satélite do Metropolitan Museum of Art que, por motivos estratégicos, desde sua abertura em 2016, vem funcionando principalmente como um kunsthalle. Várias linhas de programas foram conscientemente inventadas, cada uma delas posta como uma proposição (seja por uma abordagem temática ou monográfica) que busca ampliar o entendimento do conhecimento autoritário recebido, vasculhando fundo na história de artefatos e modos de interpretação, incluindo as circunstâncias e o contexto muitas vezes exaltado da aquisição de um objeto. O programa do The Met Breuer visa incluir um questionamento do papel tradicional do museu na aspiração a uma coleção inclusiva “total”, de modo a atingir uma narrativa histórica tão holística quanto possível.
Conferência 16h30-17h30
LEWIS R. GORDON | Descolonizando a estética negra Esta conferência oferece uma crítica da tendência a desestetizar a estética negra através do desmantelamento do estudo de sua produção na forma de etnografia ou política instrumental. Vou responder a isso, em primeiro lugar, oferecendo um resumo do que seria uma abordagem estética e também fornecer um modelo de estética política capaz de endereçar a significância do negro na euromodernidade, ao passo que permanece ligado à realidade negra vivida como uma experiência que transcende a mera redução a categorias de moral e política. Usarei o cinema recente como exemplo audiovisual.
Sexta-feira, 19 de outubro
10h30-12h30 SHELA SHEIKH | “Aquilo que não podemos não querer”: racismo ambiental, testemunho mais-que-humano e paradoxos da representação De acordo com as teorias clássicas de testemunho, aquele que presta depoimento é um sujeito soberano que fala em seu próprio nome e se posiciona diante da lei e/ou do outro para prometer uma verdade. Partindo da desconstrução pós-estruturalista e pós-humanista do sujeito humano, esta apresentação argumenta pela necessidade de uma noção expandida de testemunho – algo que inclua coletividades mais-que-humanas. Isso se torna ainda mais urgente no contexto de violência ambiental global em que, através dos legados da ciência e taxonomia imperial e da modernidade/colonialidade, aquilo que se vê ameaçado e violado são tanto a “natureza” quanto as populações racializadas. Orientada por uma seleção de práticas artísticas e especulativas contemporâneas, eu pergunto com o que tais coletividades de testemunhas mais-que-humanas podem se parecer. Até que ponto tais formas de testemunho podem funcionar não só metafórica ou poeticamente, mas também nos âmbitos da lei e das provas? Em situações em que os direitos dos seres humanos e não-humanos devem ser defendidos, como que as práticas artísticas podem nos ajudar a navegar pelos antigos enigmas das representações políticas e estéticas, as quais “falando por” ou “dando voz” tanto aos despossuídos quanto à natureza correm o risco de replicar ainda mais a matriz colonial original de ser e de poder que procura contestar e derrubar?
ESTEFANÍA PEÑAFIEL LOAIZA | Diálogos: da apropriação à regurgitação Irei apresentar uma série de projetos de arte que lidam com espaços mentais e territórios reais, em que a ficção é convocada como uma tentativa para descentralizar o olhar e subverter as coordenadas estabelecidas de tempo e espaço. Alguns desses trabalhos propõem uma revisão da história do meu país e seus textos fundadores (isto é, “contagem regressiva”, “uma certa ideia de paraíso”), ao passo que outros estabelecem um diálogo utópico e plástico com a literatura e a poesia (a série “cartografias”). Em cada uma dessas práticas, o corpo é fortemente implicado no ato de ler e escrever, e as ideias do Sujeito e do Outro ficam intimamente entrelaçadas. Esses trabalhos lidam com noções como ingestão, mastigação, digestão e, mais precisamente, regurgitação.
ELIZABETH A. POVINELLI | Superfícies estraçalhadas, imagens insistentes O Karrabing Film Collective (KFC) é um grupo de familiares e amigos, boa parte deles vindos da costa noroeste da extremidade superior do Território do Norte, a Austrália. O coletivo surgiu em 2009, na desastrosa interseção da política liberal tardia de reconhecimento e do capitalismo extrativista neoliberal que deixaram sem teto muitas das famílias que viriam a compor o KFC. Filmes e instalações de arte são um meio de representar essa posição precária, criando um contexto acerca de um futuro que poderia ser praticado e incitando integrantes mais jovens a aprender sobre suas terras ancestrais ao encená-las em novas formas narrativas. Esta apresentação discute a relação entre o lado social e financeiro do feitio de nossos filmes e instalações de arte. Mais do que algo falho, como podemos encarar essa superfície como a verdade da recusa contemporânea do KFC em se deixar capturar pelo maquinário de reconhecimento do estado e da indústria da arte mesmo quando somos bem-vindos para repensar a nós mesmos à luz de nossos mundos e do nosso trabalho?
14h-16h CANDICE HOPKINS | Rumo a uma prática decolonial de escuta “Nós não temos pálpebras nas orelhas. Somos condenados a ouvir.” Estas são as frases que abrem o ensaio “Open Ears” [Orelhas abertas] do compositor R. Murray Schafer. Ao passo que não podemos tapar nossas orelhas, isso não significa que escutamos tudo o que é dito, algo que é particularmente verdade para aqueles cujas orelhas parecem passar mais tempo fechadas do que abertas. Como podemos nos ajustar para captar frequências diferentes, sentir o que reverbera, ouvir aquilo que soa nas margens? Hopkins olha para as interseções entre som e protesto no ativismo e na arte indígena rumo àquilo que pode ser considerado como uma prática decolonial de escuta.
ESTHER GABARA | Arte como ficção: conceitos ameríndios para a teoria visual Esta apresentação apresenta a metodologia de um livro em andamento, em que a pesquisa de linhagens dominantes na arte contemporânea das Américas me levou ao pensamento ameríndio como fonte de respostas a perguntas teóricas que a bibliografia crítica de arte não era capaz de solucionar. Neste projeto, busco articular uma teoria da ficção própria às artes visuais contemporâneas, durante o período em que experimentos neoliberais de cunho econômico, político e social vinham sendo executados no continente americano (da década de 1960 até os anos 2000). Ainda que a ficção seja uma palavra comumente utilizada para descrever as práticas diversas das artes visuais contemporâneas, ela ainda não recebeu uma articulação ampliada de sua distinção da narrativa de ficção. O pensamento indígena dos Andes, da Mesoamérica e da Amazônia oferecem conceitos essenciais para entender essas formas do que chamo de “ficção não literária”. Essa metodologia de articulação da teoria da arte encara o desafio lançado por Eduardo Viveiros de Castro para a antropologia, de “tomar ideias indígenas como conceitos e arcar com as consequências de tal decisão”.
SUELY ROLNIK | Descolonizar a pulsão criadora A base micropolítica do regime colonial-capitalístico é o abuso das forças vitais da biosfera. No humano, tal abuso atinge hoje a pulsão em seu próprio nascedouro, desviando-a de seu destino ético: potência de criação de outros modos de existência e seus sentidos, toda vez que a vida sente-se sufocada nas formas do presente. Em tal desvio, o exercício da “criação” de novos mundos (exigido pela vida para sua perseveração) esteriliza-se, passando a reduzir-se ao exercício da “criatividade” (dissociado da vida) que desenha novos cenários para a acumulação de capital e o estímulo à voracidade de consumo. Diante desse quadro, não basta intervir na esfera macropolítica da distribuição de direitos e bens, é preciso intervir igualmente na esfera micropolítica: descolonizar o inconsciente estruturado no abuso, de modo a retomar nas mãos o destino da vida em sua essência de força transfiguradora. Nesta esfera, as fronteiras entre arte, clínica e política tornam-se indiscerníveis.
Conferência 16h30-17h30 BAMBI CEUPPENS | Descolonizando um monumento colonial O Royal Museum for Central Africa foi criado pelo Rei Leopoldo II com o dinheiro que ganhou no Congo. Foi inaugurado em 1910. Sua última grande reforma ocorreu em 1958, dois anos antes da independência congolesa. O museu costumava ser chamado de último museu colonial do mundo. Embora não seja verdade que ele não tenha passado por mudanças desde 1958, é fato que, até seu fechamento para uma grande reforma em 2013, a exposição permanente mantinha uma perspectiva colonial da África e dos africanos, além de ignorar amplamente o passado colonial que os havia criado e moldado. Esta apresentação lidará com os principais desafios envolvidos na descolonização desse monumento colonial, fazendo referência particularmente à colaboração com integrantes de “comunidades receptoras” que são os proprietários morais, se não legais, dessas coleções.
Arte e Descolonização dias 18 e 19 de Outubro Das 10h às 17h30 Evento Gratuito A retirada de ingressos será realizada duas horas antes do início do seminário, na bilheteria do museu. Cada ingresso é válido para 1 (um) dia de evento, sendo necessária a retirada em cada um dos dias.
MASP Av. Paulista, 1578 01310-200 São Paulo-Brasil Visitação:Terças, das 10h às 20h. Quarta a domingo, das 10h às 18h.
masp.org.br