Associadas, sobretudo à cultura popular, as expressões afro-cubanas que influenciaram o trabalho de Lam eram frequentemente relegadas a uma posição marginal na narrativa nacional das artes. Todavia, elas desempenhariam um papel central entre os artistas que começaram a atuar no período pós 1959, como o jovem José Badia. Um iniciado no Palo Monte – sistema ritual afro-cubano que, junto com a Santería, teve uma forte influência nas artes visuais (3) – o artista fez referências constantes à cosmologia e iconografia palera, a fim de construir uma semântica específica em seu trabalho. (4)
Além disso, a geração de Bedia é amplamente reconhecida por reavaliar as artes nacionais e contribuir para o surgimento de uma atitude pós-colonial em relação à cultura cubana. (5) Trabalhando ativamente na década de 1980, esses artistas fizeram uso de conceitos como o de “transculturação”, elaborado pelo antropólogo e escritor Fernando Ortiz Fernández, para delinear visualmente uma essência cubana que levasse em consideração tradições não canônicas. Durante a terceira edição da Bienal de Havana, em 1989, por exemplo, Bedia apresentou uma mostra individual, na qual afirmou seu processo criativo como um método transcultural, “na metade do caminho entre a ‘modernidade’ e o ‘primitivismo’, o ‘civilizado’ e o ‘selvagem’”. (6)
Provavelmente foi essa condição “transcultural” que levou o trabalho de Bedia a ser apresentado na 6ª edição da Dak’Art (2004), como parte da exposição Retour à Dakar: 3 artistes en provenance des Amériques. Com curadoria do brasileiro Ivo Mesquita, a mostra se dedicou a explorar a noção de Diáspora Africana nas Américas, incluindo o trabalho de dois outros artistas: Mario Cravo Neto e Odili Donald Odita. Em seu texto de apresentação, Mesquita afirma: “No que diz respeito ao assunto proposto, a Diáspora Africana, devo admitir que os artistas e obras apresentadas trazem aqui um entendimento diferente das práticas culturais e de uma abordagem teórica que apresenta uma África utópica, um território a ser descoberto, um projeto a se realizar, uma cultura por fazer […] Pelo contrário, aqui ela é considerada uma matriz cultural, […], a mãe que, uma vez expatriada na América, deu a luz a seus filhos mestiços.” – Ivo Mesquita
A inserção de José Bedia em Retour à Dakar, pelo viés da Diáspora, intriga. De origem espanhola, o artista não possui a ascendência africana que embasa a retórica do retorno ou da mestiçagem exortada pelo curador da mostra. Como na 3ª Bienal de Havana, Bedia apresenta em Dakar um conjunto de obras – entre as quais Kiyumba Ndoki e Kiyumba Bafiota (1997) — que remetem a elementos surgidos a partir da “recriação pessoal de antigas imagens etnográficas, especificamente da região do Congo e tribos relacionadas em Angola e Zâmbia” (7). Aqui, a adesão de Bedia à condição diaspórica parece não se inscrever nas tramas de uma filiação literal, mas nas vivências internas do artista, materializadas nessas obras. Nesse sentido, podemos intuir que Ivo Mesquita foi guiado por argumentos biográficos e subjetivos para validar sua proposta curatorial para Retour à Dakar.