O curador educativo da 12ª Bienal do Mercosul, Igor Simões, comenta as especificidades da 12ª edição desta mostra que acontece em Porto Alegre desde 1997. Originalmente prevista para ser inaugurada em abril de 2020, esta Bienal foi concebida a partir de um recorte mais sensível a questões como gênero e raça, sendo intitulada Feminino(s): visualidades, ações e afetos. Com a suspensão da abertura física prevista para abril, devido ao alastramento da pandemia da Covid-19, optou-se pela publicação de uma série de depoimentos de artistas, equipe e curadores em uma plataforma digital. Em entrevista, Simões lembra a importância da Bienal na formação de público e profissionais, bem como a relevância do intercâmbio com outros países sul-americanos no contexto da arte contemporânea.
C&AL: Qual a importância que a Bienal do Mercosul tem no redimensionamento da cena de arte contemporânea no Brasil fora do eixo Rio-São Paulo? E como ela movimenta a cena cultural na Região Sul do Brasil?
Igor Simões: A Bienal do Mercosul sempre teve uma atenção e um olhar especial sobre a educação, que foi intensificado a partir da 6ª edição (2006). Essa sempre foi uma proposição específica da mostra. Embora a preocupação varie a cada edição, o educativo foi sempre uma marca da Bienal do Mercosul, que acabou produzindo uma série de efeitos locais. Hoje, nos cursos de pós-graduação, nas universidades, há um grande número de herdeiros da Bienal. Isso porque, aqui no Rio Grande do Sul, ela assumiu um caráter de formação: coisas simples, como produzir mão de obra capaz de dar conta de montar uma exposição no formato de uma Bienal, ou formar gente que vai pensar mediação cultural. Isso impactou diretamente nas instituições locais.
É um evento cultural que deve ser pensado sempre em termos sistêmicos e geopolíticos. A Bienal surgiu em um momento de euforia em relação a esse funcionamento econômico por blocos. Ela nasceu como parte de uma estratégia mais ampla de estabelecer determinadas capitais culturais. Porto Alegre, nesse sentido, foi eleita para ser uma espécie de capital cultural do Mercosul. Determinadas áreas da cidade receberam instituições como a fundação Iberê Camargo, por exemplo, que apareceu em uma zona deslocada do centro da cidade. Isso produziu um novo tipo de gestão daquele espaço que tem que dialogar com questões sociais muito duras, como, por exemplo, com a gentrificação e a segregação sócio-espacial decorrente dela.
C&AL: E o interesse pela arte latino-americana? Como isso se dá na origem da Bienal e quais efeitos podem ser observados na produção artística?
IS: A primeira edição da Bienal do Mercosul (1997) foi curada pelo historiador, crítico e curador Frederico Morais. No texto de abertura do catálogo, ele discorria sobre escrever a história da arte latino-americana. Quando a gente olha para a primeira Bienal, percebe que havia toda uma tentativa de pensar a história da arte latino-americana. É interessante notar como as noções de “arte” e de “latino-americano” foram sendo negociadas em cada uma das edições subsequentes.
Esse debate, que parte do Sul do Brasil, é importante, porque produziu também nas universidades um tipo de pensamento muito característico. Eu diria que por aqui estamos mais atentos a essas questões latino-americanas se comparado ao que vejo em outras regiões do Brasil. A Bienal acentua esse interesse pela região. Seu surgimento tem esse peso, porque revela a maneira como daqui do Sul se discute arte contemporânea. É interessante, por exemplo, perceber isso nos repertórios que circulam entre os artistas locais: eles refletem um olhar sobre o pampa e a relação com a América Latina.