Visões do jornalismo cultural

Em um mundo hipermidiatizado

O surgimento da mídia digital continua a distorcer as maneiras pelas quais os indivíduos e a sociedade se relacionam. Nós existimos em um mundo saturado de mídias. Métodos de coleta, produção, distribuição e geração de informação mudaram drasticamente. Sendo assim, há, para aqueles que trabalham com a interpretação de artefatos culturais – objetos visuais, textos e performances –, a necessidade urgente de responder com perspectivas novas. Aqui, Enos Nyamor explora as visões do jornalismo cultural em um mundo hipermidiatizado.

Sim, de fato, o status quo tem todos os motivos para ser vigilante, porque o poder nunca é tão seguro como tentam fazê-lo parecer. Tecnologias digitais, com sua capacidade de escapar do controle, são uma forma de subversão, e diminuem a onipresença dos governantes e sua capacidade de incutir medo. Subitamente, a vida cotidiana está em disputa com narrativas políticas. O papel dos políticos está diminuindo, assim como o seu domínio sobre o tipo de informação que os veículos de mídia são capazes de produzir e o conhecimento que as massas podem consumir. Essa forma de distribuição não linear de conhecimento é abertamente subversiva e rompe o arranjo vertical de poder – o valor central em todo sistema burocrático.

O mesmo ocorre com a transformação radical do processo de disseminação de informação. Dentro de um contexto político, essas podem ser peças de propaganda essenciais para inspirar ações e influenciar o processo de tomada de decisão. Toda franquia política, sem exceção, prospera em função de sua capacidade de manipular informação. No entanto, as novas mídias têm sugerido constantemente a morte da centralização do conhecimento e, portanto, o fim do controle político sobre o quarto poder. Em termos práticos, essa mudança perturba o conceito de midiatização da política – a noção central em comunicação de massa e imprensa tradicional.

Com a multiplicação das plataformas de distribuição de informação, e com as possibilidades de arranjos locais, a midiatização da política está minguando constantemente. A essência do termo guarda-chuva “midiatização”, claro, é a capacidade da mídia ou da imprensa de moldar narrativas políticas, e os ajustes resultantes em função das influências políticas. Mas o surgimento de arranjos horizontais, ou, em termos concretos, da promessa de arranjos horizontais, provavelmente deslocará o significado de uma plataforma política universal. Essa reorganização apresenta o recurso-chave em um mundo digital inconstante, onde o conhecimento é permanentemente produzido e descartado.

À parte do peso do humanismo e do pós-humanismo, o domínio da midiatização da cultura na vida cotidiana pode emergir do fato de ela ser anódina sem ter resolvido ser assim. Por outro lado, o conceito do politicamente correto é inofensivo, mas cada caso pode inspirar uma espiral de suposições e até mesmo o ofuscamento de verdadeiros sentimentos e pensamentos. O clima político hoje é um indicativo dos perigos do ofuscamento. Embora os cidadãos de algumas nações do Norte Global sejam abertamente contra o fundamentalismo, a popularidade de lideranças conservadoras – cujas políticas são isolacionistas e depreciativas – tem crescido.

Assim, o jornalismo cultural, como campo, está embarcando em um futuro inquieto e inconsistente. Talvez isso se deva à imprevisibilidade e ao caos que as novas mídias apresentam. O processo de reestruturação permanecerá tênue. Mas as sociedades são frequentemente auto-organizadoras. Por fim, será possível produzir e reproduzir comunidades virtuais – sociedades fundamentadas no reconhecimento de “eus” divididos. E o jornalismo cultural será o meio de explorar a ideia de comunidades satélites e virtuais por causa de sua fundamentação crítica despretensiosa.

Em um mundo hipermidiatizado, a ideia de sucumbir à velocidade digital persiste. Imagens, textos e sons inundam a consciência coletiva e individual. A explosão massiva da reprodução da informação forçou a fragmentação da atenção. Notificações constantes, bem como aparelhos e sensores interconectados, sobrecarregam a atenção individual. O medo primário, tanto para intelectuais quanto para educadores, é que essa cultura possa levar a um declínio do pensamento crítico, e que a colisão de informações tenda a enfraquecer o raciocínio. Mas, a cada nova tecnologia de informação que surgiu, desde a criação da imprensa até a fotografia, rádio, até a televisão, o medo da indulgência excessiva sempre esteve presente. Com todas as suas incertezas, a era digital não é uma exceção.

[i] Michael Hardt e Antonio Negri. Assembly, OUP, 2017.
[ii] Rosi Braidotti. The Posthuman, Polity Press, 2013.

Enos Nyamor é um escritor e jornalista de Nairóbi, Quênia. Trabalha como jornalista cultural independente e, devido a sua formação em sistemas de informação e tecnologia, obtida na Universidade Internacional dos Estados Unidos, desenvolveu interesse por novas mídias digitais.
 
Ilustrado por Sophie-Charlotte Opitz.

Este texto foi originalmente publicado em schloss-post.com no dia 12 de março de 2019.

Tradução: Cláudio Andrade

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