Eliana Muchachasoy, artista indígena colombiana, falou com a Contemporary And América Latina (C&AL) sobre a arte neoamazônica, a necessidade de criar espaços artísticos nos territórios indígenas e os problemas da apropriação cultural na arte, que ela chama de uma “colonização através da cor”.
Eli M. Muchachasoy Chindoy, Tbatsanamamá be saná (Alimentos da mãe terra). Cortesia da artista.
Eli M. Muchachasoy Chindoy, Bayá tigr endetëjan bëngbe uaman luare (Tigre percorrendo nosso território). Técnica mista. Cortesia da artista.
Eli M. Muchachasoy Chindoy, bëtsësananëg tmojëbseboshjon (Legado ancestral). Acrílico sobre tela. Cortesia da artista.
Eliana Muchachasoy é uma artista da comunidade Camëntŝa do Vale do Sibundoy, no departamento do Putumayo, na Amazônia colombiana. A partir dali a artista reflete, através da pintura e da fotografia, sobre as lutas pelo território e a reivindicação dos povos indígenas. Em 2018 participou de uma residência artística na Austrália e expôs seu trabalho na Colômbia, no México, no Equador e nos Estados Unidos.
C&AL: O que levou você a ser artista, e como este território influenciou sua arte?
Eliana Muchachasoy: O início da minha jornada artística teve a ver com minha mãe, porque ela me brindou com ferramentas artísticas, e desde pequena a pintura e a cor me chamaram muito a atenção. Estudei artes plásticas na Universidade Nacional da Colômbia. Nesse momento eu não me sentia confortável com a técnica da pintura e a coloquei de lado. Quando terminei o curso voltei ao meu território, no Putumayo, e aqui trabalhei como professora de arte. Foi quando retomei a pintura e comecei a elaborar diferentes propostas a partir da comunidade e das cores que podem ser vistas no território, na medicina e na reivindicação das lutas indígenas.
C&AL: Quais são os temas e as problemáticas que você aborda em sua obra plástica?
EM: Através do meu trabalho examinei temas como a megamineração e a construção da variante de São Francisco, em Mocoa, uma estrada que pode atravessar grande parte da reserva indígena e que trará um impacto ambiental e um deslocamento da comunidade. Tem-se falado da comercialização do carbono, da construção de uma usina hidrelétrica e da intenção de criar uma base militar nesta área. Também falo, através da pintura, das mulheres indígenas, como uma forma de me autorrepresentar. A partir dos meus trabalhos quero fazer um chamado para fortalecer nossa identidade e defender nosso território. Sobretudo crianças e jovens têm perdido alguns valores culturais, o que não permitiu que a comunidade se unisse para defender suas terras.
C&AL: Em várias ocasiões, você disse que sua obra faz parte da arte “neoamazônica”. Como define essa corrente artística e por que sua obra pertence a esse movimento?
EM: A arte neoamazônica nasceu na Escola de Arte Pucallpa, na Amazônia peruana, onde diversos artistas, em contato com a medicina yagé ou ayahuasca (bebida alucinógena amazônica de origem vegetal), começaram a elaborar trabalhos que reúnem diferentes propostas artísticas, como fotografia, música, cinema e pintura, e que falam do que está acontecendo em nossos territórios e comunidades da Amazônia. Estou nessa corrente artística porque Sibundoy, Putumayo, é a porta de entrada da Amazônia colombiana.
C&AL: O que é a Galeria Benach e qual a importância desse espaço artístico no Putumayo?
EM: A Galeria Benach – palavra que significa “caminho” na língua camëntŝa – faz parte do rumo que venho tomando como artista. Na minha carreira eu não havia tido a oportunidade de expor meu trabalho no Putumayo, pois não havia espaços para exibi-lo na região. A Galeria Benach foi pensada para promover a arte local, para dar a este povo a oportunidade de se aproximar de diferentes expressões artísticas e de se educar através da arte. Atualmente as crianças e jovens estão recebendo muita informação dos meios de comunicação, e tudo isso faz parte de sua construção de identidade. A Benach é um espaço necessário para que eles também possam se ver através da arte.
C&AL: Segundo seu texto “Um índio pintado”, há uma tendência de apropriação cultural das simbologias indígenas, sobretudo por parte de artistas urbanos não indígenas. Qual é a crítica que você faz à apropriação cultural nesse texto?
EM: O texto “Um índio pintado” nasce de algumas experiências que tive em várias viagens, onde me encontrei com a imagem do índio pintado na parede. Na Colômbia costumamos usar a expressão “isso está pintado na parede”, que é uma forma de dizer que aquela coisa não existe. Muitos artistas urbanos retomam elementos indígenas porque querem fazer uma homenagem ou usá-los como inspiração, mas acho que isso deveria ser uma oportunidade para fazer uma proposta de reivindicação das comunidades através da arte. Também de se perguntar como vão contribuir artistas não indígenas que não tiveram uma aproximação com os territórios. Eles retomam esses elementos para pintar algo bonito, mas creio que é preciso perguntar como artistas podem ajudar as comunidades a continuar falando sobre seus problemas de território.
Por exemplo, muita gente que vem visitar nosso território tira fotos da comunidade, mas não sabemos para que estão tirando essas fotos, se é para levá-las a exposições, replicá-las em murais, ou lucrar. Tem havido apropriações da parte simbólica das comunidades, mas elas não recebem crédito, nem se tem conhecimento do que há na comunidade. Isso faz com que se perca o respeito pelo sagrado e que se apropriem somente com fim lucrativo.
Eli M. Muchachasoy Chindoy, viajiybe otjenay (Sonho de yagé). Técnica mista. Cortesia da artista.
C&AL: O que você pensa dos artistas que buscam celebrar a identidade indígena de forma consciente através da arte?
EM: Hoje em dia fala-se muito de homenagem e inspiração nas comunidades indígenas, mas quando se fala com os avós eles realmente não se sentem representados por essas obras, nem veem a necessidade de receber homenagens. Existe agora uma colonização através da cor dentro das comunidades: alguns artistas que exploraram as técnicas nas comunidades com a finalidade de fazer uma intervenção artística ou subtrair a imagem dos territórios. O problema é que esses trabalhos nunca se dão a conhecer dentro da comunidade. Em Sibundoy não existe um arquivo nem uma biblioteca com todos esses trabalhos. A comunidade não tem acesso a essa informação. E o mesmo vale para os museus, a arte das comunidades está dentro dos museus, mas quem tem acesso aos museus? Não é a comunidade, porque os museus estão fora dos territórios.
No meu texto “Um índio pintado” falo da necessidade de encontrar um ponto de equilíbrio: a reciprocidade entre o artista e as comunidades. O artista deve entrar para se entrelaçar e fazer uma contribuição para o território. Um exemplo é quando os artistas vivem o plano de vida das comunidades: semeiam a terra, aprendem a língua indígena e conhecem os indígenas de perto. Isso implica também quebrar os privilégios que existem.
Ana Luisa González estudou Literatura e trabalha como jornalista cultural e repórter independente em Bogotá para veículos de comunicação dos Estados Unidos.
Tradução: Cláudio Andrade