36ª Bienal de São Paulo

Irmandade Vilanismo: introduzindo a poesia da periferia na Bienal

Inspirada pela escritora Conceição Evaristo, a instalação do coletivo brasileiro Irmandade Vilanismo cria um pacto simbólico pela vida. O grupo, formado por dez artistas negros e periféricos, ocupa o espaço como um ateliê e um manifesto por dignidade, terra e contra expectativas racistas.

É partindo deste último ponto, sobretudo, que desenhamos a ocupação presente na 36ª Bienal de São Paulo. Mais que uma metáfora, um simulacro, o espaço se manifesta como uma promessa, uma convocação para a necessidade de podermos usufruir de espaços que garantam dignidade para criarmos nossas obras e manifestar a polissemia de técnicas, materialidades e temas que nos interessam, seja nas ações em grupo ou nas nossas enunciações subjetivas individuais. Assim, é possível também abrir espaço para outras pessoas que, de alguma maneira, se identificam com a gente na ressonância desses desejos que partilhamos.

Nos últimos anos, ocupamos temporariamente a Funarte e o Edifício Tebas, no centro de São Paulo. Como o hip-hop, essa região é ponto de encontro para artistas vindos das periferias e cidades-dormitório. Esses ateliês difundiram nossa produção, mas a instabilidade nos força a um nomadismo urgente, nunca inteiramente escolhido. Chegamos, limpamos, melhoramos, cuidamos e partimos, sempre em mutirão, inventando modos de existência e erguendo as bases de futuros abrigos de acolhimento.

A metáfora da sede em construção se emaranha à presença do teleiro, estrutura que, junto da mapoteca, servirá de infraestrutura para a Irmandade após a Bienal. A paródia de um ateliê em exposição torna-se o próprio ateliê: materialização do desejo e da imaginação de um espaço futuro que almejamos ter.

Nesse ateliê, apresentamos arquivos em forma de vídeos, fotos, esboços, desenhos de plantas, livros e materiais de pesquisa e estudo por todo o espaço, registros em áudio e fotos de familiares dos membros, pequenos “álbuns de família” com fotografias de todos os vilões e também da nossa comunidade nas mais diversas articulações e conspirações da Irmandade, desde exposições e ações, passando por reformas e limpezas, até festas e churrascos. Obviamente, artistas que somos, apresentamos também nossas obras propriamente ditas. Com uma seleção plural em temas e materialidades, aquilo que temos chamado de curadoTRETA, exibimos produção textual, desenho, pintura, painéis de LED, peças sonoras, vídeo, escultura em concreto e madeira, fotografia sobre diferentes suportes, assim como mídias não convencionais.

Com a vontade de manter um ambiente vivo, desenvolvemos um programa público de conversas, oficinas e partilha de conhecimento, ao qual chamamos de “Acadêmicos do Vilanismo”, um jogo semântico que tensiona uma hierarquia de saberes que tende a dar mais valor ao conhecimento acadêmico, da universidade, do que às sapiências das ruas, das escolas de samba, dos terreiros, do hip-hop, dos quilombos, das quebradas. Sem elencá-los, nos aquilombamos e compartilhamos nossos segredos técnicos, do sistema de artes, de nossas vivências.

Por meio da atuação com nossa comunidade, outra conspiração que realizaremos será o Cortejo Negro, somado à leitura do Contramanifesto junto às pessoas que nos acompanham. Faremos um trajeto nas proximidades do Parque do Ibirapuera, com seus monumentos colonizantes, e seguiremos parque adentro até finalizarmos no prédio da Fundação Bienal. O dia escolhido para a ação é 15 de novembro, data que celebra a República, proclamada em 1889, pouco mais de um ano após a pseudo abolição da escravidão.

Mais do que uma exibição, Os meninos não sei que juras fraternas fizeram, a instalação do Vilanismo na 36ª Bienal de São Paulo e todas as articulações da Irmandade são conjuros de futuro e manifestações de imaginação e desejo de vida digna, terra fértil e ambiente de segurança para nós e nossas comunidades. Mais do que uma exposição, ela é uma convocação para que os discursos aliados escapem das palavras, alcancem a materialidade e nos ajudem a seguir criando nossos espaços físicos e simbólicos de disputa e acolhimento.

Diego Crux: Quase-artista nascido e criado na borda, em Parada de Taipas, vive hoje no centro. Trampa com artes, entre outras coisas, em diversos lugares. Neto de Rosa e Esmeraldo, é da cor que lembra a memória. Pesquisa convocações íntimas e pessoais, vivências coletivas, representação, identidade e os limites, incógnitas e contradições nesses cruzos.

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