Caminhando daqui para lá e tomando consciência desses processos quilombolas, percebi que as sonoridades continuam liderando os processos emancipatórios, desta vez a partir da costa, aproximando-nos do oceano. O relevo cárstico, esse solo com memória de águas que o vento faz ressoar, permitiu dar continuidade ao que foi iniciado com os fututos, agora com o dembow.
O dembow é um gênero musical com raízes em ritmos da Jamaica e de Porto Rico. Apareceu no espaço público mais ou menos em 2009, na cidade de Santo Domingo, República Dominicana, e se tornou a principal manifestação para ocupar a crise. Embora tivesse em seus primórdios uma composição rítmica específica, hoje tem maneiras diferentes de soar.
O dembow está nos fazendo redescobrir o que se move. A reconfiguração na gestão de poder proposta por expoentes do gênero como Tokischa e Kiko el Crazy superou até mesmo as ideias de muitas pessoas de pensamento progressista no contexto local. Com imagens sonoras e visuais, o dembow está materializando os presentes que há muito queríamos. A defesa radical da autonomia sobre nossos corpos, o reconhecimento de outras formas de construção do conhecimento e a ampliação das ideias de amor são apenas alguns dos debates que os dembowserxs levantaram nos últimos anos. Eles criaram uma linguagem comum a todos os espaços da comunidade dominicana, e a interpelação de suas ideias é um reflexo disso.
Post data: cinco dias antes do fim desta carta, a Câmara dos Deputados do Congresso da República Dominicana aprovou um código penal que proíbe totalmente o aborto, omite a discriminação com base na orientação sexual e justifica qualquer tipo de discriminação amparada em “requisitos institucionais”. Um ato desesperado que mostra quão encurralados se sentem os grupos sociais que pretendem continuar vivendo na imaginação do estável. No entanto, ao mesmo tempo em que nos inteirávamos disso, Shakatah, uma garota trans dominicana com mais de 1,1 milhão de seguidores no Instagram, fazia uma live dançando dembow e em seguida tomando banho. Nos primeiros minutos já tinha mais de 5 mil espectadores.
Yina Jiménez Suriel, curadora e pesquisadora especializada em estudos visuais. Pensa a partir do movimento, das visualidades e de suas potências para criar imaginações distintas das atuais. Vive e trabalha na República Dominicana.
Tradução: Cláudio Andrade