Brasil-Gana

Os fantasmas coloniais assombram Jamestown em Acra

A história do Brasil, país que recebeu o maior número de escravizados, instigou um grupo de artistas, curadores e pesquisadores aliados à Bienal de São Paulo a visitar Gana, para investigar histórias e laços culturais.

Assim, naqueles momentos de tensão, são enviados para Acra, capital de Gana, os primeiros grupos de retornados livres, que se instalam em Jamestown, uma das partes mais antigas da cidade. Devido às suas habilidades técnicas, envolvem-se em diversas atividades como ourivesaria, construção e cultivo agrícola e no próprio tráfico humano, praticado intensamente naquela região, mostrando mais uma vez a complexa teia social que se formou em torno no comércio transatlântico de seres humanos. Por não dominarem as línguas regionais e terem dificuldades para se comunicar, esse grupo utilizava frequentemente a expressão “Tá bom, tá bom” e passou a ser chamado pelos outros moradores de “Ta bom people”.

Em abril, como parte da 32ª Bienal de São Paulo, com um grupo de artistas, curadores e pesquisadores, iniciamos os Dias de Estudos em Acra. O mote inicial era uma busca por memórias, possíveis permanências e rastros deixados por esse grupo, assim como encarar quais os fantasmas coloniais que rondavam a região de Jamestown.

Entre as caminhadas por Labadi, a visita ao mercado de Makola e seminários, tivemos um encontro com um grupo de artistas locais na Brazil House (Casa Brasil), localizado na Brazil Road, também em Jamestown. A casa faz parte do conjunto arquitetônico construído pelos “Ta bom people” e hoje, após uma reforma ocorrida na época da visita do então presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, em 2005, funciona como uma espécie de centro cultural. Está cercada pelas ruínas do que antes foram praças públicas de vendas de escravizados. Chama a atenção como os espaços antes de fundamental importância para a economia da região estão completamente abandonados, quase como uma tentativa de apagamento de um período que não desperta orgulho em ninguém. Os fantasmas estavam ali, os “Ta bom people”, não.

A série de privilégios que receberam desde a chegada e o envolvimento em diversas atividades comerciais e políticas criou uma rede de influência em torno do grupo que os levou a lugares de prestígio na sociedade ganense e aos poucos se desvencilharam da região que primeiro os acolheu.

A presença negra pelas ruas de Acra, logo de início, me provocou. Claro, a população de Gana é majoritariamente negra. Mas ter crescido no Brasil e me acostumado a ver mulheres e homens negros apenas como serventes ou ocupando sempre a base da pirâmide produziu um efeito nefasto no meu imaginário, e minha surpresa ao encontrar jovens artistas negros, curadores negros, pesquisadores negros comprovou isso. Os fantasmas coloniais se mostraram bem presentes em mim. Things are not alright.

Thiago de Paula Souza vive em São Paulo, onde trabalha como educador no Museu Afro Brasil. Sua pesquisa envolve relações raciais, arte africana e afro-brasileira, e a representação da África e da Diáspora no contexto de língua alemã.

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