C&AL: Na última vez em que conversamos em seu ateliê, você me mostrou um registro em vídeo do Seu Djalma, um homem negro dançando na rua no que parecia uma espécie de “evento” interminável. Esse registro é de quando?
JS: O registro do Seu Djalma dançando foi feito quando fui para Cachoeira, cidade do Recôncavo Baiano, para a Festa da Irmandade da Boa Morte – uma confraria católica de mulheres negras idosas que se organizam há mais de 200 anos. Elas são um símbolo de articulação religiosa, com grande mobilização política e cultural na cidade. E organizam as festividades com muito samba de roda. Cahoeira é a cidade das “sambadeiras”. Para mim, era muito importante ir até lá principalmente pelo samba e por conta dessa articulação de mulheres negras através desses ritos de ancestralidade, suas práticas de ocupação das igrejas e ruas. Esse é um grande evento no sentido de suspensão do tempo para cuidar das almas: comendo, rezando e sambando. Fiquei encantada com o fato de Seu Djalma não parar de sambar. O dançar dele era algo cadenciado e cheio de graça. Ele estava ali, na calçada em frente à casa da Irmandade, num meneio de quadril sem igual. Era um estado de ser.
O samba é um estado de ser e estar no mundo e não só uma música ou uma dança. O samba é verbo e não substantivo. Seu Djalma materializou isso naquele momento. Uma forma de ser e estar no mundo, uma espécie de presentificação, uma metáfora da vida. Ele foi um ponto, mas Cachoeira é assim. Na festa da Irmandade, é tudo e todo mundo sambando. O tempo todo fica lá o som na praça, a gente se acabando. Tem um grupo ali, outro aqui, na sabença do samba, na ciência do samba, na sambiência. Foi assim que cheguei a esse termo. Seu Djalma representou ali, para mim, essa sambiência, esse saber ancestral que vem dos pés. E a gente nunca sabe como aprendeu a sambar. Mas cada um samba de um jeito.