O fato de Dantas ter sido o único diplomata negro já explicitava que não havia democracia racial no país, e que, do mesmo modo que a branquitude marcava os corpos que integravam a política internacional brasileira, também definia as escolhas realizadas por eles. A seleção de quem representaria o Brasil no exterior também passava por esse filtro, e isso fica explícito na formação da comitiva brasileira para os dois primeiros Festivais Mundiais de Arte Negra, em 1966, na cidade de Dacar, e em 1977, na cidade de Lagos, capital da Nigéria.
Pessoas brancas como mediadoras das artes afro-brasileiras
O 1° Festival Mundial das Artes Negras, também parte da política de governo de Léopold Sédar Senghor e dos seus ideais do Movimento Negritude, com o objetivo de reunir agentes de diversos países através das artes e culturas africanas e afro-diaspóricas, teve o Brasil como o único país da América do Sul, e para o qual o país enviou uma delegação com Rubem Valentim, Heitor dos Prazeres, Vicente Pastinha, entre outros. Como é possível notar, o grupo era formado por artistas negros e brancos que, provavelmente pelo ponto de vista do governo brasileiro, auxiliavam na construção da imagem de uma nação de democracia racial.
Segundo o teatrólogo e artista Abdias Nascimento, na conhecida Carta a Dacar, publicada em 1966, tal comissão foi definida sem consulta prévia à classe artística afro-brasileira e excluiu alguns artistas cujo teor político das ações estivessem ligados ao enfrentamento das desigualdades sociais e raciais, como era o caso do Teatro Experimental do Negro (TEN), do qual Nascimento era coordenador. Se faz importante lembrar que a crítica realizada por Abdias não recai sobre os artistas, mas sobre a curadoria do Ministério, que reafirmou a posição de pessoas brancas como mediadoras das artes afro-brasileiras, além de reforçar um discurso político contraditório aos dos movimentos negros.
A carta pública de Nascimento denunciou que, apesar da crescente relação diplomática entre Brasil e os países africanos no período, do lado brasileiro não foram os discursos dos Movimentos Negros que as coordenaram. Além das supressões internacionais, o TEN sofria com as perseguições ideológicas e políticas internas, tendo encerrado suas atividades em 1968, quando Abdias Nascimento partiu para o exílio.
Laços com territórios afro-diaspóricos
No exterior, uma das atividades desenvolvidas pelo teatrólogo foi a docência na Universidade de Lagos, capital da Nigéria, contribuindo para o ensino das Artes Cênicas e Visuais e onde pôde, sem intermédio da diplomacia brasileira, presenciar, em 1977, o 2° Festival Mundial de Artes Negras. Intitulado Festival Mundial de Arte e Cultura Negra e Africana, o evento teve a Nigéria como novo país mediador e buscava firmar os laços com os territórios afro-diaspóricos, além de reforçar o apoio aos países africanos que ainda enfrentavam o processo de independência, como era o caso das ex-colônias portuguesas.