O grupo foi criado em 2017 por performers e artistas que se conheceram durante as ocupações de escolas públicas em São Paulo. Suas atividades incluem espetáculos teatrais, residências, ações em escolas, oficinas, entre outras. E com essas ações estão estreitando as distâncias entre escola e teatro, atribuindo novas centralidades e indo à luta contra as precariedades impostas à vida.
Quando Quebra Queima, Festival Mexe, Porto (PT), 2019. Foto: Danilo Galvão.
Quando Quebra Queima, Feverestival (Campinas), 2022. Foto: Dalton Yatabe.
Em tempos de intensificação das precariedades do viver, a escola e o seu potencial de transformação são as chamas acesas para os jovens da ColetivA Ocupação. Grupo formado em 2017, a partir da luta do movimento estudantil secundarista, um movimento histórico que, entre 2015 e 2016, paralisou os governantes e suas tentativas de impor o fechamento de aproximadamente 100 escolas públicas do Estado de São Paulo, o que provocaria a demissão de servidores, o superlotamento de salas de aulas e a fragilização do ensino. Como uma onda crescente, as ocupações foram se alastrando e, em semanas, cerca de 200 espaços escolares foram tomados. Imagens de barricadas com cadeiras e carteiras empilhadas, faixas de ordem nas fachadas da escola, pátios ocupados e uma intensa solidariedade entre alunos e comunidade se tornaram símbolo atualizado da luta estudantil. A experiência foi marcante, e, além dos dois meses de ocupação, estudantes mantiveram a luta como canalizadora da busca por mudanças.
Alvim Silva, morador da cidade de Itapevi, região metropolitana de São Paulo, e um dos primeiros integrantes da ColetivA Ocupação, fez parte das ocupações de 2015, tanto nas ações que já vinha realizando e no que viria depois. Silva iniciou sua atuação ativista em 2014, participando de coletivos e grupos de luta estudantil. Em 2016, participou da ocupação da Fábrica de Cultura do Capão Redondo e da Casa das Rosas, duas atuações do movimento artístico contra os cortes na área da cultura. Além disso, Silva também frequentava as oficinas de teatro da Casa de Cultura do Butantã, onde aprendia sobre corpo político ativo. E, em 2016, recém formado no Ensino Médio, se uniu aos demais integrantes da Coletiva. Segundo ele, nesse primeiro momento, a preocupação do grupo era gerar memória. Em suas palavras, “no começo, era mais para resgatar memórias das ocupações de 2015 e da história das lutas secundaristas no Brasil. Fizemos um conjunto grande de imagens de denúncias e de registros do movimento. Porém, com o tempo, viu-se que se precisava questionar o dentro e o fora, o território ocupado pelas atividades e as pessoas relacionadas com o coletivo”.
Além de Alvim Silva, conversamos com Matheus Maciel, membro da ColetivA desde de 2017. Após participar de uma ação que a coletiva realizou na Oficina Cultural Oswald de Andrade, Maciel se identificou com a luta em prol da educação emancipatória e a busca por um lugar mais justo de vida no mundo. O impacto foi tão grande que ele decidiu cursar a graduação em teatro, onde busca fomentar o desenvolvimento de vias de transformação. Para ele, “cada sonho, caminho, tropeço, encontro, significa algo”, e é devido a essa generosidade com a vida que ele entende a ColetivA como um processo de “andar e aprender juntos”.
O marco na formação da ColetivA foi a performance Só me convidem para uma revolução onde eu possa dançar, realizada em 2017, em parceria com a diretora Martha Kiss Perrone, apresentando no Performando Oposições e na MIT (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo). É nesse momento que recebem o convite para ocuparem o espaço da Casa do Povo, instituição conhecida pela atuação no fomento ao bem-estar e luta social através da cultura e das artes, e uma das principais parceiras do grupo, onde realizam seus encontros e ensaios.
A partir de então, foram diversas ações realizadas, desde espetáculos teatrais, residências, apresentações em escolas, oficinas, entre outras. Um importante destaque é o espetáculo teatral Quando Quebra Queima, criado em 2018, apresentado em diversas cidades e festivais, no Brasil e exterior. Países como Portugal, França e Inglaterra já foram palcos para o grupo, que esteve também em residência no Battersea Arts Centre, em Londres, onde recebeu o prêmio de melhor direção, com destaque para o trabalho de Martha Kiss Perrone. A peça também foi indicada ao prêmio The Offies na categoria “IDEA Performance”. A impressionante pulsão do grupo impacta por onde passa. Nesses cinco anos, a ColetivA é palco para um corpo que aprende e ensina em movimento, que transita, gesticula e se organiza de punhos erguidos.
Em 2019, o grupo ganhou um dos importantes prêmios da área – o Prêmio Zé Renato da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo –, com um projeto que buscou expandir o espetáculo Quando Quebra Queima, levando-o a espaços escolares e de cultura nas periferias da cidade e estreitando as distâncias entre escola e teatro, entre centralidades e precariedades. Porém, devido à pandemia, o formato das ações teve que ser adaptado, sendo partes delas realizadas online. Com o projeto Pausa para Existir, foram realizadas oficinas que propunham a virtualidade como meio de criação, acolhimento e ação. Porém, não dá para negar que o resultado não foi o mesmo de ocupar o espaço físico da escola e de promover o encontro. Para a ColetivA Ocupação, mais do que espaços de ensino, escolas são territórios de disputa por formação sócio-artístico-cultural humanizada, por afetos e encontros. Infelizmente, com o isolamento social, tal conjectura foi alterada. Milhares de estudantes e professores tiveram que seguir mediados por telas que nem sempre funcionam, por vozes modularizadas, por descompassos e abalos emocionais que incluíam a ausência de tal espaço em suas vidas.
Sem a partilha e o convívio escolar, não só o rendimento caiu, mas também a ação do corpo estudantil. Com corpos menos participativos e espaços vazios, o ambiente escolar foi se tornando um não-lugar para muita gente. E como todo corpo que adoece, se mantém ainda retraído, quieto. Para Alvim Silva, “o encontro é a possibilidade de explosão”, e, por isso ele acredita que o retorno às escolas trará aos poucos a vivacidade e a energia da mudança para os estudantes. Segundo ele, “muitos estudantes não sentem desejo de voltar, não vêem mais atrativo lá. Não vêem a potência de luta da escola, e, por isso, acreditam que é melhor ficar em casa. Muitos tiveram que trabalhar, e agora não podem mais parar”. É lastimável que essa seja a realidade da educação atualmente, mas que também não está sozinha, sendo esse um sintoma do país, envolvendo descasos políticos e histórico sucateamento do ensino público.
Alvim Silva acredita que, mesmo sendo um período difícil para os estudantes, há muita energia de luta pulsando neles. Para ele, “assim como em 2015, os estudantes estão sedentos por transformação e mudança, por transgressão. Há uma bomba ativa prestes a estourar. Há alguns movimentos que já estão borbulhando, só esperando o momento. E se estourar algo, precisamos ser como somos, doidos e com sonhos, errando e acertando”. A explosão contida referenciada por Alvim Silva é uma imagem que parece ampliar-se para a sociedade brasileira, vivendo como uma bomba relógio. E, certamente, quando estourar, a ColetivA Ocupação estará com corpos ativos para canalizar a raiva e a luta.
Luciara Ribeiro é educadora, pesquisadora e curadora. É mestra em História da Arte pela Universidade de Salamanca (USAL, Espanha, 2018) e pelo Programa de Pós-Graduação em História da Arte da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP, 2019). É colaboradora de conteúdo da Diáspora Galeria e docente no Departamento de Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina.