Em seu trabalho, Curtis Talwst Santiago, retratou extensamente o carnaval. O artista com raízes em Trindade e no Canadá identifica este espaço lúdico como um lugar onde corpos e identidades assumem várias formas e podem aparentar desde o grotesco até formas mais aprazíveis.
Curtis Talwst Santiago, "Hey Minch yuh see meh play a mas" (Ei, você me vê fazendo folia), 2023 Tinta e bastões a óleo, tinta Flashe e acrílica, e carvão em tela 81 1/2 x 114 1/8 in 207 x 290 cm. Foto: Dirk Tacke.
C& América Latina: Gostaria de começar pela relação com o figurativo em suas pinturas e incorporações. Um motivo recorrente em suas pinturas é a celebração do carnaval, especialmente no contexto caribenho. O carnaval é uma celebração muito corporal, que envolve fantasias e brinca com personagens e metamorfoses. Como a pintura o ajuda a transmitir essa experiência?
Curtis Talwst Santiago: Minhas pinturas sempre começam com um desenho. Para mim, o desenho é como uma dança – é liberador e envolve todo meu corpo. Através do desenho, consigo capturar a energia imediata do momento. Prefiro trabalhar com carvão, porque ele é imprevisível: com a quantidade certa de pressão, pode explodir em minhas mãos como o som de um prato de bateria. Quando crio uma pintura, volto repetidamente ao desenho a carvão inicial durante o processo, acrescentando camadas de cor semelhantes a harmonias vocais. Aparecendo e desaparecendo, o desenho mantém uma qualidade rítmica, enquanto as cores dão vida à peça. Minha obra artística reside em um espaço entre o desenho e a pintura.
C&AL: Você fala frequentemente sobre a influência da música no seu trabalho. Recentemente, na Galeria Nir Altman, em Munique, onde estava expondo, você mencionou uma colaboração com Frank Ocean, artista conhecido por desafiar gêneros, mídias e noções preconcebidas de identidades. Como você garante que não será reduzido a uma categoria ou mídia específica?
CTS: Meu ateliê é projetado como uma academia de ginástica, com múltiplas estações de trabalho, incluindo escultura, desenho/colagem, pintura, uma biblioteca, e produção de som/música. Durante meu dia de trabalho, eu me revezo entre essas estações a cada poucas horas. Eu limito propositalmente esse período a uma ou duas horas por vez, para que me empolgue ao voltar para algo com que estava vibrando antes. Essa forma de trabalho também me ajuda a criar um fio condutor entre todas as mídias, e elas conversam inevitavelmente entre si.
Curtis Talwst Santiago, "Let we play a white mas" (Deixa eu fazer uma folia branca), 2023 Tinta e bastões a óleo, tinta Flashe e acrílica, e carvão em tela 39 3/8 x 39 3/8 in 100 x 100 cm. Foto: Dirk Tacke.
C&AL: Sei que você se interessa pelo diálogo intergeracional e a transmissão. E não apenas em expressar o legado de trauma, mas também a alegria. Como é a sua experiência ao negociar isso em um contexto artístico europeu ou alemão?
CTS: Como alguém que mora em Munique, encontrei um senso de comunidade aqui que também encontrei em outras cidades distantes da minha cidade natal e das minhas amizades mais próximas. O barbeiro africano é um estabelecimento onde a conexão da Diáspora pode ser revitalizada. Neste espaço, busco o conselho de pessoas mais velhas sobre como educar meu filho neste novo país, que hoje chamo de lar. Nós rimos, celebramos e compartilhamos histórias sobre tempos difíceis, mas sobretudo curtimos simplesmente o prazer de contar histórias e de despir nossas armaduras.
C&AL: Agora que você vive em Munique com sua família e também educa uma criança na Alemanha, como essa transição dos últimos anos impactou sua prática artística?
CTS: Mesmo que essa transição tenha sido um evento bem recente, acho que criar um filho me deu uma noção verdadeira do valor do tempo. Do tempo que temos para passar mutuamente em família, do tempo em que passamos no trabalho, todo momento parece mais precioso do que antes. Aprendi a trabalhar com mais foco, porque a última coisa que quero é passar a noite inteira no ateliê, se posso estar aconchegado com a minha bela pequena família, ouvindo meu filho falar com a mamãe e o papai durante o sono.
JOYvastated (Devastado de alegria), 2023, Caixa de jóias recuperada, argila, acrílico, tinta, sementes, borracha plástica, 3 1/8 x 3 3/8 x 3 1/8 in, 8 x 8.5 x 8 cm.
Eu pinto para o meu próprio prazer e pelo desafio de trazer meu imaginário interno e emoções para a superfície.
C&AL: Você pinta para quem?
CTS: Eu pinto para o meu próprio prazer e pelo desafio de trazer meu imaginário interno e emoções para a superfície. Cada tentativa me permite ser mais honesto comigo mesmo, mesmo que cada obra possa não ter exatamente a aparência que imaginei. Apesar de momentos de dificuldade, sinto alegria no processo e o vejo como uma forma de autocuidado. Também sei que não estou sozinho na maneira em que percebo o mundo e meu lugar nele, e sei que, às vezes, outras pessoas, por quaisquer razões, enxergam a si mesmas nas minhas pinturas, e isso é igualmente satisfatório.
Curtis Talwst Santiago (nascido em 1979, em Edmonton, Alberta, com ascendentes de Trindade) é um pintor, escultor e criador de dioramas radicado em Munique. No início de seu trabalho, foi aprendiz de Lawrence Paul Yuxweluptun.
Magnus Elias Rosengarten é um escritor, curador e performer. Vive atualmente em Berlim.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva