José Antonio Gómez Rosas, mestre mexicano

O fantasma genial conhecido como “o Hotentote”

Um ar de lenda e mistério paira sobre a vida e a obra de José Antonio Gómez Rosas, conhecido como “o Hotentote”, contemporâneo de Frida Kahlo e Diego Rivera. Desse personagem extraordinário, tudo o que resta são vestígios na história da arte mexicana. Heriberto Paredes investiga a lenda para a Contemporary And (C&) América Latina.

Quem o conheceu, tanto na escola de pintura, onde realizou boa parte de seu trabalho, como em suas incursões pela capital mexicana, garante que era ambidestro. Pintores e artistas plásticos afirmam que observá-lo enquanto desenhava e pintava era um espetáculo: passava os instrumentos de uma mão a outra e, às vezes, pintava com as duas mãos ao mesmo tempo. Com uma visão crítica do trabalho dos grandes pintores mexicanos da época, Gómez Rosas se afirmou como um pintor incômodo, zombador, ácido e nada dócil numa cena de arte que estava sendo dominada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México durante 72 anos. Contemporâneo de artistas lendários como Diego Rivera, Frida Kahlo, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros – os grandes muralistas e pintores mexicanos –, o Hotentote pintou suas críticas em forma de chacotas.

José Antonio Gómez Rosas perdeu seu pai quando ainda era menino e migrou com sua mãe e seus irmãos primeiramente para o estado mexicano de Guerrero. Mais tarde, a família se estabeleceu na Cidade do México, no bairro popular da Merced. Nas ruas desse bairro, ainda hoje é possível conviver com aspectos da cultura popular que não podem ser encontrados em nenhum outro lugar.

Originalmente um bairro indígena, a partir do século 20 a Merced recebeu centenas de migrantes e refugiados libaneses, que fugiam do Império Otomano. Eles trouxeram consigo seus costumes e sua comida e se misturaram aos trabalhadores, a mulheres indígenas que vendiam comida na rua e a famílias inteiras que organizavam todo ano as festas religiosas mais pitorescas que se pode imaginar.

As ruas da Merced, cheias de bares e hotéis para encontros fortuitos, se transformaram em uma referência íntima e decisiva para a visão artística que o Hotentote desenvolveria em sua maturidade. Sobretudo um dos aspectos do bairro se tornaria central: a desigualdade.

Um tio ajudou José Antônio a se inscrever na Escola Nacional de Artes Plásticas em 1936, um lugar mítico de onde saíram os principais artistas mexicanos. Logo o artista começou a se rebelar contra as formas artísticas e pedagógicas tradicionais e a complementá-las com suas próprias experiências. Mas hoje a obra do Hotentote não consta das principais páginas dos catálogos de pintores mexicanos, nem é motivo de grandes homenagens. Muitos de seus murais em bares e cantinas se perderam. Esse personagem tão polêmico é quase um fantasma: às vezes, se encontra algum vestígio, às vezes, somente a sensação de uma presença fugaz.

Entretanto, é possível assinalar algumas características de sua obra que atribuem ao Hotentote um lugar de destaque na arte latino-americana. Em suas pinturas sobressai a capacidade de ironizar as contradições da sociedade em que vivia. Apresentava personagens contraditórios em situações cotidianas, sempre com características indígenas ou mestiças. Uma rica gama de cores dava força às linhas. Tematicamente recriava ambientes que não confirmavam o discurso governamental do progresso e pintava a desigualdade da cidade em que circulava.

Mas foi em suas pinturas monumentais, conhecidas como “telões”, que o Hotentote criticou mais duramente as contradições de seus contemporâneos, que recebiam do governo grandes somas de dinheiro para pintar a revolução. Em seus telões, Gómez Rosas pintou não apenas Diego Rivera como um enorme globo a ponto de arrebentar, e Frida Kahlo, a quem atribuíu um corpo de veado, mas também destacou quem dirigia instituições culturais ou quem de alguma forma construiu a “Cultura Nacional”. Natural dos ambientes noturnos e dos subúrbios, o Hotentote foi ainda convidado a decorar bares tão emblemáticos como o Salón México, o Ba-ba-lú e espaços de lazer dos anos 1940 e 1950.

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