Conversa com

José Luis Macas: Troca e reciprocidade com a terra

Em seus projetos, José Luis Macas investiga o princípio ético da reciprocidade em comunidades que têm como base os direitos coletivos e da natureza. O artista fala com a C&AL sobre expor as contradições inerentes às lógicas ocidentais herdadas do projeto colonial e civilizatório, e sobre o legado histórico dos povos indígenas.

C&AL: Em suas obras, vemos um pensamento posicionado e colaborativo em relação com um lugar urbano, rural, ou natural. Fale sobre esse entrelaçamento entre a territorialidade e a poética.

JLM: Isso surge de uma predisposição a deixar que os elementos geográficos afetem seu corpo. Isto é, entender a geografia e a paisagem como entidades vivas, a fim de constatar – em reciprocidade e correspondência – o fluxo criativo que delas emana. A tensão crescente entre o avanço das cidades e a paisagem natural acontece justamente pela falta de sensibilidade em relação ao entrelaçamento do desenrolar da vida e sua constante transmutação.

Minhas obras são focadas em apresentar essas tensões. Um exemplo é meu projeto Borradores (2014-2019), no qual crio um desenho removendo o smog impregnado nas paredes de cidades como Quito, Cuenca e Bogotá. Procuro expor as contradições inerentes das lógicas ocidentais herdadas do projeto colonial e civilizatório. Por outro lado, busco expor o legado histórico dos povos indígenas, que resistiram a fim de preservar suas epistemologias de reciprocidade entre o humano e a natureza – diferentemente da visão ocidental, que separa a experiência humana da não-humana. Também tenho consciência da idealização e romantização a que as culturas indígenas estão sujeitas e creio que é justamente aí que está o desafio. Isto é, ir além das projeções coloniais sobre o indígena e predispor um encontro simbiótico-sinérgico que proponha um pensamento a partir deste espaço e legado.

Muitas vezes, a arte política e crítica focada na desconstrução acaba constituindo apenas um exercício criativo muito inteligente, mas sem nenhuma proposta ou possibilidade de futuro. É justamente isso que motiva meu envolvimento com formas de pensamento autopoiético, que incentivam e posicionam o cuidado como seu eixo central. A poética como poiesis alinha-se com um senso de criação e vida. Eu me interesso por saber em que condições essas propostas poderiam se tornar possíveis. Penso nas possibilidades da arte e de sua difusão a partir de minha perspectiva de professor. Na sala de aula, apresento a meus alunos as possibilidades de um futuro, levando em conta a situação de crise atual.

C&AL: Vamos falar sobre Cromotopos y Luminancias. Podemos dizer que nestas obras você colabora com um ente não-humano, o Sol. Onde essa relação é gerada, e qual seria a motivação por trás desse gesto?

JLM: Ela vem do reconhecimento do pertencimento a uma cultura andina baseada em calendários solares com uma função agrofestiva. Ainda que esses calendários englobem hoje múltiplos significados, desde o turístico até o folclórico, ao mesmo tempo, a relação entre a agricultura e a astronomia continua a existir. O território andino equatoriano continua sendo predominantemente agrícola.

Tudo nasceu da vontade de entrelaçar o discurso com uma proposta artística na qual utilizo elementos da etno-história e da arqueoastronomia. As festividades solares do mundo andino refletem como o território era pensado na época pré-colonial, isto é, a partir dos movimentos do Sol vinculados às montanhas como um eixo visual fixo.

Comecei a fazer caminhadas pela cidade de Quito durante os solstícios e equinócios para tentar traduzir a poética da duração da exposição ao Sol nessas datas e da atmosfera que a luz cria no espaço. Achava interessante caminhar por essas linhas conhecidas no mundo andino como Ceques, entre vários Apus e montanhas tutelares, desde a cordilheira oriental até a ocidental. A área exposta ao Sol em Quito fica entre os vulcões Pichincha, Cayambe e Antisana. É uma espécie de dança solar através da geografia – busco traduzir esta poética em uma experiência real.

As festividades solares no território andino contam com uma longa história, lógicas, temporalidades e paisagens. Por minha vez, atuo a partir da arte contemporânea e utilizo a escultura, a pintura expandida e obras in situ. Creio que a especificidade do cubo branco é inundada pela densidade epistêmica andina, que inclui elementos cósmicos, geográficos e múltiplas formas de vida. O indígena é uma grande referência para mim, embora sempre o posicione para além do iconográfico. Em Cromotopos, inspiro-me em peças arqueológicas que evocam o solar e as reconfiguro em peças acrílicas instaladas na paisagem urbana, que são ativadas com a luz. O espaço-tempo conhecido como Pacha relaciona-se ao multissensorial. Na obra, busco replicar essa experiência onde múltiplas temporalidades coexistem, uma ideia alinhada ao ritual.

C&AL: No que está trabalhando atualmente?

JLM: No momento, estou trabalhando em uma mostra para o Centro Cultural Metropolitano de Quito, que concentra dez anos de colaboração com o Sol. É uma busca que abarca o espiritual, as plantas de poder, jejuns e caminhadas. Tudo isso para garantir uma experiência integral e sincrônica com o Sol. É uma tentativa de valorizar e colocar em evidência a potência do Sol, a fim de nos colocar em sincronia com as camadas inerentes de luz e sua materialidade.

Também estou trabalhando em outra exposição que explora as plantas de poder, especificamente a história da coca no Equador. Nela, utilizo a caminhada através do Rio Coca para me aprofundar na vigência cultural da coca e falar da desapropriação cultural pela parte do Estado quanto a esta planta, proveniente da herança colonial.

Nota:
1. Minga (do quíchua mink’a) 1. Reunião de pessoas amigas e vizinhas para fazer algum trabalho gratuito em comum. 2. Trabalho agrícola coletivo e gratuito com fins sociais. (R.A.E)

José Luis Macas é artista visual, professor e pesquisador da Universidade Católica do Equador e coordenador do Chawpi, laboratório de criação, ateliê e espaço cultural em Quito.

Esteban Pérez é um artista visual interessado em revisionismo histórico e estruturas de poder assimétricas. As resoluções de suas investigações assumem a forma de som, vídeo, pinturas e instalações.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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