Curaçau

Marlou Fernanda: Dando destaque ao eu interior através da arte

Um ensaio escrito com base em uma conversa com a artista sobre sua jornada de autodescoberta como mulher negra e o papel que o autodesenvolvimento ocupa em sua obra, onde nos aprofundamos no que faz com que Marlou Fernanda represente visualmente seus diálogos internos com uma força criativa que desafia o mundo artístico branco e dominado por pessoas cis dos Países Baixos.

Essa performance artística de autodescoberta ocupa lugar de destaque em sua obra The Nu-Nu show (O show de Nu-Nu, 2018). Nu-Nu, personagem da obra de Marlou Fernanda que ela vê como seu alter ego, reflete um lado diferente de Marlou Fernanda. A personagem é representada em suas pinturas e performances por um rosto visualmente muito parecido com o da própria Marlou Fernanda. Nu-Nu é retratada como extravagante, ousada, colorida, rebelde. Apesar das telas onde Nu-Nu é representada serem repletas de cores e elementos, não há dúvida de que ela é o foco principal. Sua presença na tela captura a atenção e desafia as pessoas que a veem a desviar o olhar. Nu-Nu encarna o lado corajoso e ambicioso de Marlou Fernanda. Esta faceta ocupa uma posição de dualidade em relação a ela, que descreve a si mesma como uma jovem que só quer ter uma vida normal. Nu-nu recria a ideia de liberdade, uma existência sem limites nem dúvidas. Essa performance apresenta visualmente um imaginário onde Marlou Fernanda pode expressar sua existência de forma autêntica. É uma representação visual que mostra o processo interno de crescimento e o processo de conflito em um debate interno sobre como encontrar o caminho correto. Através de Nu-nu, Marlou Fernanda é capaz de capturar um diálogo sobre as realidades complexas e contraditórias da autoidentidade.

Como uma mulher negra que cresceu nos Países Baixos, a expressão determinada do eu de Marlou Fernanda é uma narrativa artística radical em um espaço onde as vozes das mulheres negras são praticamente ausentes. Seu mundo desorganiza o status quo dos espaços artísticos dos Países Baixos como lugares inerentemente brancos. Apesar de ter que lidar com sentimentos ligados à síndrome de impostora ou de sentir às vezes que sua perspectiva é considerada descartável no mundo artístico, Marlou Fernanda reconhece que sua voz desafia a estrutura normalizada do cenário artístico dos Países Baixos. Por isso, apesar da demanda crescente por sua obra em vários meios artísticos e de seu crescimento como artista, ela continua a respeitar sua necessidade de silêncio. Ela sabe que momentos solitários são essenciais para que consiga escutar sua voz interior. Ela acredita que, às vezes, é necessário desligar-se das vozes externas para redescobrir a si mesma e sua jornada.

A representação do eu é uma narrativa que continua interessante para Marlou Fernanda e sua obra. Em sua primeira exposição individual, Old Answers New Questions (Questões antigas, respostas novas, 2022), na galeria Hama, em Amsterdã, Marlou Fernanda visa abordar o tema da transformação e do processo de encontrar seu próprio caminho de vida. Nessa exposição, ela apresenta suas pinturas em grandes e pequenas telas, nas quais utiliza tinta acrílica e a óleo, colagem e mídia mista. Suas pinturas são muitas vezes repletas de cor e elementos abstratos. Nelas, Marlou Fernanda usa frequentemente o retrato literal de um rosto, elemento essencial, familiar aos seres humanos, em combinação com figurinos e formas deformadas e pouco familiares. As pinturas refletem uma imagem caótica, porém familiar, exibindo objetos e emoções em uma realidade desconstruída, enquanto partes do corpo e formas tradicionais são desenhadas de uma maneira que parece desafiar as premissas do que é natural e inerente. A exposição apresenta um desafio à ideia de que a realidade é indefinida, permitindo, portanto, que novas respostas sejam dadas a antigas questões.

Marlou Fernanda continua a utilizar seu desenvolvimento interno como motor para seu trabalho. Com a série de Nu-Nu, ela também ilustra a ideia da autodescoberta sem os limites da vergonha, do trauma ou do orgulho, representando a complexidade da autodescoberta autêntica. Em seu trabalho, ela é capaz de representar visualmente seu envolvimento com questões importantes para as quais às vezes ela não tem respostas, mas que, ainda assim, ousa apresentar em sua obra a fim de provocar o questionamento interno de seu público.

Marlou Fernanda é uma artista visual radicada em Roterdã. Ela cria obras visuais pautadas em seu imaginário, utilizando pinturas, filmes, performances e cenografias. Marlou Fernanda almeja encontrar a si mesma em tempo real, ao expressar uma visualização autêntica e transparente de seu processo. Ela utiliza constantemente seu trabalho para abordar questões da vida e transformar seu público, ao oferecer-lhe acesso a seu universo imaginário.

Lis Camelia nasceu em Curaçau e vive atualmente em Roterdã. Como produtora cultural, ela busca utilizar todas as formas de mídia que a ajudem a contar histórias que nos conectem à cultura e ao conhecimento. Ela espera contribuir para a difusão de ideias que tornem possível a construção de comunidades mais fortes na Diáspora Africana.

Tradução: Renata da Ribeira