William fala conosco sobre seu recente programa em La Friche, em Marselha, França. Priorizando posições identificadas como femininas e influenciado por sua perspectiva afrofeminista, o curador defende uma “estética livre” baseada na tradição radical Negra para promover a imaginação interseccional e combater as representações hegemônicas.
Manman Chadwon, fotografia 4, Xénio Réjon, 2022.
Jerry René Corail, Incandescence (Incandescência), 1996, Cayenne in book Jerry René Corail ou le rêve prolongé (Caiena em livro Jerry René Corail ou o sonho prolongado), França, 2015.
Alice Dubon, Eat Myself (Comer-me), 2024, Marselha.
Paul-Aimé William é um historiador da arte focado nas historiografias da cena de arte contemporânea na Guiana Francesa a partir dos anos 1960. Dada a pequena quantidade de pesquisas disponíveis sobre a área e as estruturas de poder em jogo atualmente, na cena artística francesa em particular, William propõe modelos alternativos de curadoria e de percepção da arte dentro dos perímetros do cânone estético europeu. Aqui, conversa com a C& AL sobre sua abordagem e sua transposição para seus projetos mais recentes.
O programa de William foi concebido pela Triangle-Asterides em La Friche la Belle de Mai.
C& América Latina: No que você diria que suas práticas curatoriais e acadêmicas convergem, e em que se diferenciam?
Paul-Aimé William: Em 2019, participei do grupo de pesquisa “Biblioteca Chimuranga”, de estudos Negros no mundo francófono, liderado por Pascal Obolo, editor-chefe da revista Afrikadaa e meu mentor, em Paris. Essa grande experiência de curadoria me expôs a uma ampla gama de possibilidades de práticas acadêmicas e não acadêmicas através da perspectiva da imaginação radical Negra. No entanto, isso não promulgou estruturalmente uma espécie de ciência dupla nos museus e universidades francesas. Essas instituições coloniais brancas não querem e condenam isso. Vamos dar continuidade às pesquisas acadêmicas dentro do contexto da dominação? Não vamos fetichizar essa prática; todas as áreas acadêmicas devem ser revolucionárias no Plantationoceno, uma longa era caracterizada por uma grande quantidade de epistemicídios. Na minha visão, a curadoria revolucionária se enquadra dentro da intervenção científica. Prefiro utilizar o conceito de “dirty care” (“cuidado sujo”) da filósofa Elsa Dorlin para defender a fisicalidade do meu Welt (mundo) contra a violência da anti-Negritude que se volta contra nós como inimigos políticos.
C& AL: Em seu trabalho, como você lida com as diferenças e pontos em comum entre artistas da Diáspora da Guiana Francesa e quem permanece (ou permaneceu) na Guiana Francesa? Isso faz alguma diferença?
PAW: Sim, isso faz muita diferença! Jovens artistas guianenses precisam deixar a Guiana Francesa para estudar a arte contemporânea como disciplina. Aqui não há nenhuma escola de arte nem nenhuma instituição artística estatal. Essa situação é perpetuada pela divisão racial do trabalho, da qual exclui-se artistas, pois já há um grande número de nkà, ou ofícios, no país: tembe, maluwana, cestaria artesanal, etc. Cada artista luta individualmente o máximo que pode. Tento também navegar fora do território colonial atribuído pelo governo francês à Guiana Abya Yala. As múltiplas trajetórias de artistas, de quem pensa e escreve poesia permite-nos transpassar essa fronteira a fim de produzir a nova topotesia (a descrição de um lugar inexistente) que colide com outros países, idiomas, fumaça, cinzas, soros, ossos, animais, ouro, rios e temporalidades.
Alice Dubon, Eat Myself (Comer-me), 2024, Marselha.
C& AL: Sua recente programação para La Friche, em Marselha, Co/mission, grande conspiration (Co/missão, grande conspiração) concentrou-se predominantemente em performances e posições identificadas como femininas. Pode elaborar sobre essas escolhas e até que ponto elas impactam sua visão e interpretação da cena artística atual?
PAW: Fui recrutado há muitos anos por meu mentor afrofeminista Pascal Obolo, então também sou um afrofeminista fodão. Gwladys Gambie, artista da Martinica, criou uma nova fabulação da vida da mulher Negra com seu filme Manman Chadwon, baseado em uma releitura do legado da deusa afro-caribenha Manman Dilo. A performance feita por Alice Dubon, artista do Congo, narra a desapropriação do laboratório de sua mãe e sua própria experiência na França como uma jovem mulher Negra. Também decidi começar minha programação com a exibição de um arquivo da performance Incandescence (Incandescência), de Jerry René Corail, na praia de Caiena. Incandescence introduz seu próprio movimento na necrocosmopolítica de Welt/mundo (Weltanschauung – visão de mundo). A venustidade (do latim venusta, que significa beleza em português) da cosmopolítica implica uma discordância com a extinção do que vive e a exploração do trabalho, e seus efeitos sociossexuais. O senso comum da venustidade é gerado pelo interesse especial em se tornar look-alive (de aparência viva – não ainda morto no espaço anti-Negro) após a explosão de vida pós-escravidão – um esforço ponderado e interminável.
Conversa entre Gwaldys Gambie (artista), Paul-Aimé William e David Démétrius (curador) sobre o filme Manmanw Chadwon. Foto: Divulgação
C& AL: Também gostaria de saber sua opinião a respeito da estética na Guiana Francesa ao se tratar de várias mídias (pintura, música, performance, fotografia). Como você lida com essas questões em meio a um discurso e a um cânone europeus da história da arte muitas vezes ainda dominantes?
PAW: Na tradição radical Negra, já foram oferecidas algumas respostas para essas questões. James Amos Porter (folklife) e Alain LeRoy Locke (queerness) superaram importantes cânones históricos da arte branca, mas seus legados estão se desvanescendo. Eu invoco uma estética livre baseada na tradição radical Negra para gerar senso comum e múltiplas figurações entre o nká e a política que melhorem nossa imaginação interseccional. O domínio burguês-branco-hetero-euro-americano da história da arte com suas figurações hegemônicas repete a violência e o terror, a estética livre os combate e, quando possível, extrai daí “matéria deteriorada e vida desonrada”.
Paul-Aimé William é doutorando em história da arte (EHESS – Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais e IMAF – Instituto dos Mundos Africanos) sob a orientação de Carlo Celius. Também participa da revista de arte contemporânea AFRIKADAA. Sua tese Arte contemporânea na Guiana Francesa (1969-2020): estética, comunidade, antiglobalidade é uma exploração da existência e do desenvolvimento da expressão artística contemporânea no território da Guiana Francesa, considerando as artes das comunidades guianenses.
Magnus Elias Rosengarten é escritor e curador, atualmente radicado em Paris.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva