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Reivindicando espaço: a arquitetura reversa no trabalho de Wisrah C. V. da R. Celestino

Através de escultura, texto, fotografia, som e vídeo, Wisrah C. V. da R. Celestino explora a relação entre espaço expositivo, poder e economia. Seu conceito de “arquitetura reversa” desafia a ideia de um espaço neutro, revelando as complexas relações econômicas e de poder que o moldam, em um contexto de capitalismo moderno do Sul Global.

De maneira correlata, em RENTAL/FATHER (2023) o portão de ferro enferrujado e vazado não deixa escapar as marcas do uso e do tempo, configurações próprias de materiais decrépitos jogados às margens nos países subdesenvolvidos. Com interferências feitas à mão, remendos e gambiarras, a obra expõe a precariedade e insegurança impostas pelas formas econômicas do capital. Às instruções de Wisrah, “objetos alugados” operam uma suspensão microeconômica da direção monetária da acumulação e expõem a precariedade e instabilidade, jogando com as premissas especulativas sobre seu próprio lugar de origem. Na relação com o espaço, Wisrah opera o que aqui chamo de “arquitetura reversa”, um gesto que procura, a partir da espacialidade, uma abertura aos sujeitos subsumidos na equação espacial do capitalismo moderno. A transparência cega, tão cara aos procedimentos espaciais do sistema da arte, é abalada no trabalho de Wisrah pela reivindicação do espaço expositivo como relação econômica.

​Ao reivindicar o espaço expositivo como conjunto de relações econômicas e de poder, Wisrah cinde a estruturação cognitiva do espaço expositivo, minando o caráter próprio do cubo branco, no qual as relações econômicas, de gênero e de dominação parecem desaparecer em nome de uma visualidade neutra. Os signos de demarcação da espacialidade do poder como lotes, chaves, portas, e portões, são assim retomados por Wisrah, e expressam a relação entre arquitetura do poder o espaço expositivo, fundamentais para sua gramática artística. No jogar entre deslocamento, despossessão, posse e acumulação, Wisrah tem navegado sua obra, que pensa relações entre mercadoria, trânsito e espacialidade numa discussão com o sistema de arte Global.

Em seu trabalho Doors (2022), ganhador do prêmio Ducato (2023), uma instalação de três canais propõe a deriva do corpo no espaço expositivo. Na instalação, ouvimos a voz de Wisrahem prantos enquanto exala versos de súplica na letra de uma música pop. “Bring me to life” (me faz viver), sopra Wisrah em nossos ouvidos, “Call my name” (Chame meu nome), tilintam os tímpanos enquanto tentamos nos localizar, “Save me from the dark” (Me salve da escuridão), implora, enquanto tentamos seguir suas instruções. Com seu gesto, Wisrah impõe uma distância inalcançável entre a voz e o desejo, o que faz do invisível um elemento estruturante na experiência da instalação. Suas dolorosas reivindicações (Doors, 2022) recolocam a questão da invisibilidade e apagamento das relações de produção. Como artista despossuíde da capacidade de se salvar, Wisrah planta no espaço o reconhecimento de sua subjetividade invisível e de seu próprio sofrimento enquanto subjetividade ausente.

Em Keys (2021), as chaves das portas do espaço expositivo estão penduradas na parede.A instrução é clara: “Uma cópia de cada chave de cada fechadura do espaço de exposição deveser exibida em um chaveiro de aço inoxidável, conforme especificado pela pessoa artista.” O trabalho, que executa uma partitura no espaço, move os princípios de estabilidade da própria instituição. Das portas que se abrem nos espaços de arte, Wisrah levanta as problemáticas de poder da sua própria condição de posse temporária; ou seja, da instabilidade e insegurança da crítica como um mecanismo de sua criação e circulação. Por meio de chaves, portas e portões,Wisrah executa suas partituras, nos convidando a pensar outros espaços e sujeitos na construção de uma arquitetura outra, de dentro e com o cubo branco.

Wisrah C. V. da R. Celestino (Buritizeiro, 1989) vive entre Braunschweig, Alemanha, e São Paulo, Brasil. Por meio de pontuações, escultura, texto, fotografia, som e vídeo, seu trabalho aborda as estruturas remanescentes do projeto colonial transatlântico, enfocando a crítica institucional, a propriedade privada e a relação entre natureza e capital.

Maya Quilolo (nasc. 1994 no Brasil) é uma artista e pesquisadora brasileira oriunda de uma comunidade quilombola em Minas Gerais. Candidata a doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, Quilolo se interessa por investigações multidisciplinares que abordam as potencialidades do corpo Negro e as intersecções entre arte, antropologia e herança Indígena.

 

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