Escondida no terceiro andar do pavilhão da Bienal projetado por Oscar Niemeyer, no Parque Ibirapuera de São Paulo, está a instalação Uma vez, uma vez (Once, Once, 2016), do artista radicado em Nova York Lyle Ashton Harris.
Através de uma seleção de fotografias e obras de imagem em movimento, o artista faz uma crônica dos conflitos culturais dos anos 1980 e 1990. Essa apresentação profundamente comovente remodela materiais históricos para refletir a respeito de emaranhamentos pessoais e coletivos com o multiculturalismo, o feminismo e o ativismo LGBTQ. As narrativas aqui incorporadas são surpreendentemente atuais. Se olharmos a nosso redor hoje, encontramos um panorama similar de amargor político e agitação socioeconômica. Essa realidade certamente não escapou à própria Bienal, desenvolvida em meio a profundas rupturas econômicas e políticas no país anfitrião. Essas lutas internas certamente não são exclusividade do Brasil. Em todo o mundo, encontramos inúmeros exemplos de ordens políticas e sociais instáveis, especialmente quando se trata da ascensão do populismo de direita. Não é surpresa, portanto, que alguns comentaristas tenham observado que vivemos em tempos de regressão. Mas esse estranho retorno de batalhas que acreditávamos resolvidas pela geração anterior revela que elas continuam presentes como “conversa inacabada”, conforme a famosa observação do teórico cultural Stuart Hall sobre o projeto do multiculturalismo.