Com trabalho selecionado para a mostra Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro, dedicada exclusivamente à produção de artista negros, o artista, originário do estado do Amapá, reflete sobre o processo de mestiçagem no extremo Norte do Brasil.
Waleff Dias “até os filhos do urubu nascem brancos,” performance, 2019. Foto: Pablo Bernardo.
Waleff Dias, “lembrar que a dor não é o único jeito de existir”. Cortesia do artista.
Quando nasceu, há 30 anos, em Macapá, capital do Amapá, Waleff Dias, de ascendência negra e indígena, foi registrado como “branco” em um cartório da cidade do extremo Norte do Brasil. Por causa da certidão de nascimento, importante documento de identificação, o artista negro de pele clara referia-se a si mesmo como branco, quando necessário autodeclarar a cor. Mestre em artes visuais e doutorando em psicologia, o artista utiliza o corpo como objeto de trabalho a partir da interface das artes visuais com a psicologia e responde à memória de racismo com arte.
Em sua infância e adolescência ouvia um comentário que o marcou: “Até os filhos do urubu nascem brancos”. Em aparição/performance batizada com essa frase, Waleff Dias expõe a certidão de nascimento, passa argila no corpo e, após o produto secar, usando bucha vegetal, faz uma lavagem a seco de maneira exaustiva e violenta para tirá-lo da pele. Com o trabalho selecionado para a mostra Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro, dedicada exclusivamente à produção de artista negros, ele reflete sobre o processo de mestiçagem no extremo Norte do Brasil. “Nos meus trabalhos pesquiso os atravessamentos do meu corpo mestiço diaspórico, afro-religioso e os dilemas incontornáveis de ser um homem negro, buscando outras perspectivas de ser homem negro e de masculinidades para além da persecutória oferecida pelo Ocidente”, diz o artista, em conversa com C&AL.
Na academia, em seu processo de doutorado, Dias pesquisa autoimagem a partir do processo étnico-racial. No campo da arte, é um artista interdisciplinar e, por meio das aparições/performances, conceito que empresta da artista sul-africana Lhola Amira, desenvolve ações performáticas, fotos, instalações, textos, audiovisuais e outros.
“Busco rememorar o que meus ancestrais viveram e elaborar procedimentos perecíveis”, diz. É o que faz no filme Lembrar que a dor não é o único jeito de existir. No curta, o artista investiga a masculinidade e sua formação enquanto homem através da relação com o pai, homem negro de pele escura. Na sinopse, a informação de que o filme é baseado no diálogo com a figura paterna: um lembrete a homens negros do encontro do hoje no amanhã sobre a ausência que surgiu ontem. “O filme nasce de uma violência física que vivi, onde ouvi duas frases, ‘ ser agredido te deixou com a pele mais bonita’, e a principal, ‘quem vai querer ouvir um homem negro?’”, relata o artista.
Segundo ele, na condição de negro, mesmo sendo a vítima, automaticamente era o errado no sistema. “Retorno para a casa dos meus pais e percebo um homem tão calado quanto eu”, conta Waleff Dias. “E o filme é o diálogo com meu pai, forjando um lugar de existência para além da violência.”
Depois de participar de várias exposições, Dias, que atualmente mora no Rio de Janeiro, onde cursa doutorado, celebra o fato de ser um dos 240 artistas que exibirão seus trabalhos na mostra Dos Brasis, mas lamenta ser o único representando o Estado onde nasceu. “Estou mega feliz de estar junto com tantos artistas negros e amigos que admiro, mas, ao mesmo tempo, com um gosto estranho, por ser o único artista negro do Amapá”, diz.
Na mostra, aberta em agosto de 2023 no Sesc Belenzinho, em São Paulo, e que rodará o Brasil de forma itinerante por dez anos, o trabalho Até os filhos do urubu nascem brancos surge pelos registros do fotógrafo Pablo Bernardo.
Uma das principais premissas da mostra Dos Brasis é dar centralidade ao pensamento negro no campo das artes visuais brasileiras em diferentes tempos e lugares. Com curadoria geral de Igor Simões, a exposição reúne trabalhos produzidos desde o século XVIII em diversas linguagens artísticas, como pintura, fotografia, escultura, instalações e videoinstalações.
Waleff Dias é doutorando em Psicologia e mestre em artes visuais. O artista usa o corpo como suporte para sua arte. Em suas aparições/performances reflete sobre o processo de miscigenação e a construção identitária dos corpos masculinos negros. Vive entre o Amapá, na região Norte, onde nasceu, e o Rio de Janeiro, onde dá continuidade a seus estudos acadêmicos.
Fábia Prates é jornalista e escritora.