C&AL: Seu trabalho é como o desdobramento de uma longa história que você nos conta com minuciosos detalhes em suportes especiais – como os muros da cidade –, o que permite uma verdadeira imersão em fragmentos de memória, mas não apenas isso. Você pode nos falar sobre o papel dos murais em seu trabalho e sobre o que eles dizem?
BCM: Como comentei, os murais começam na comunidade com o Raíz de la Ceiba. O mural comunitário tem como essência conhecer e reproduzir a memória desse território, e faz isso junto com os jovens. Fiz murais no centro cultural quilombola por muito tempo; pouco depois, passei a me dedicar às artes gráficas. Em dado momento, percebemos que os murais eram uma parte importante para as pessoas se apropriarem novamente dos espaços e de sua memória, o que era muito importante. Depois fomos convidados para participar de um projeto afro-estadunidense, onde os primeiros murais nacionais e internacionais foram feitos em conjunto com vários artistas panamenhos. Olga Manzano e eu continuamos pintando até chegarmos ao último mural na Espanha, que representa a história da negritude, mas também a história da miscigenação e das mulheres indígenas, que também fizeram parte dessa importante história negra. Um destaque à parte é a importância do envolvimento da comunidade na elaboração dos murais, porque eles nos contam suas histórias, que foram apagadas da memória. Também trazemos novas histórias que eles não conhecem.
C&AL: Você pode explicar o que são esses ex-votos e que histórias eles contêm?
BCM: Essa foi uma ideia que trabalhei junto com Olga Manzano, tendo cabido a ela a pesquisa das histórias dos milagres. Os ex-votos registram milagres concedidos por santos como São Judas Tadeu, a Virgem de Guadalupe, Santo Isidoro Lavrador, a Virgem de Juquila, a Virgem da Estrela, A Criança Sagrada de Atocha e Santa Cecília – que são os santos mais populares no país. Todos esses dados foram compilados por Olga e trabalhados por mim. Em duas pastas, uma de metal e uma litografia, vimos o sete como número cabalístico, o que é uma espécie de ironia com as coisas católicas ou cristãs – como essa parte do sincretismo, onde o santo se esconde atrás da origem, ou seja, é como um sincretismo que envolve a minha raiz negra. Olga e eu fizemos, então, esse projeto das pastas. Ela projetou as pastas e eu comecei a pintar os ex-votos de frente. Gostei muito dessa pasta, porque ela reproduz a memória afro através do sincretismo católico. Deve-se notar que os ex-votos são uma tradição do México, onde os pintores têm um estilo inato. Sem escola, eles fazem os ex-votos para agradecer aos santos e depois os deixam nas capelas. Foi nisso que nos inspiramos. É arte folclórica mexicana.
Baltazar Melo é pintor, artesão, escultor, dançarino e músico, formado em Belas Artes pela Faculdade de Belas Artes de Oaxaca. É natural de Cuajinicuilapa, México, e sua obra é dedicada a mostrar a riqueza cultural das comunidades negras de sua cidade natal. Melo inspira-se nas histórias da memória oral de um navio, da Mãe África, do cotidiano de seu povo e da história dos outros quando é contada.
Serine Ahefa Mekoun é uma escritora e jornalista multimídia que trabalha entre Bruxelas e a África Ocidental. Ela escreve a respeito das comunidades de artistas e sobre como elas ativam a mudança social em contextos pós-coloniais.
Tradução: Soraia Vilela