Conversa com

Wendy Nanan: Arte como um lugar de liberdade para definir a si mesma

Em cartaz na mostra Everything slackens in a wreck, na Ford Foundation, em Nova York, a artista de Trinidade e Tobago de origem indiana conta sobre sua trajetória e dos desafios de pensar a arte como um exercício de liberdade para narrar sua visão particular de mundo.

C&AL: Como você definiria o tema do seu trabalho e você como artista?

WN: O tema da minha vida é de uma feminista de etnia indiana que vive em uma comunidade insular afro-caribenha. Meu dever como artista não é criar quadros bonitos, mas sim comentar essa vida, visualmente, do meu ponto de vista especial – uma mulher, com herança da Índia Oriental, observadora da política pós-colonial das ilhas, desenhando a partir desse rico pano de fundo multicultural.

C&AL: O momento na faculdade no Reino Unido em que se começa a trabalhar com papel machê, e deixa de fazer pintura mural, parece um ponto de virada importante na sua prática. Como olha para essa época hoje em dia?

WN: Se as roupas que as pessoas lhe dão fazem você se sentir desconfortável, sempre vai ter vontade de se despir. Esse foi um momento de encontrar a minha própria identidade e voz. E perceber que o meu passado de Trinidade estava repleto de uma fonte profunda de imagens e ideias que eram endêmicas para este estado insular, para esta creolização da vida natal indiana dos pujas e do carnaval, e é por isso que precisava regressar a ele. Ainda assim, as pessoas tentam definir a sua voz, “não é africano, por isso não deve falar sobre assuntos negros”. Não tente me dizer o que eu sou, sou o que me move a falar.

C&AL: Do mesmo modo, quando começou a desenhar cenas de jogos de cricket naquela altura, essa foi também uma forma de inserir seus antepassados culturais indianos em seu trabalho. Em ambos os casos, a escolha do tema e do material parece ser uma escolha muito política e nada aleatória. Foi sempre assim para você?

WN: Sinto que a vida e as decisões que se tomam são todas políticas, não há separação. Você chega até elas por histórias pessoais que reagem em um ambiente, lutando pelo próprio espaço e obtendo o respeito e a igualdade nesse lugar. Digo às pessoas que luto contra muitas desvantagens na minha carreira: 1. Sou mulher; 2. Sou indiana; 3. Venho de uma classe média; e 4. Não estou disposta a agradar panelinhas. Na verdade, não há nada de atraente em mim, costumam dizer “Wendy Nanan, ela é muito difícil de lidar”. Sim.

C&AL: Você teve recentemente uma exposição individual retrospectiva no AMA | Art Museum of the Americas em Washington D.C., e agora você está participando desta exposição coletiva na Galeria da Fundação Ford, em Nova York. Tem sido um período intenso em termos de trabalho esses últimos anos de pandemia? O que você está planejando agora?

WN: O isolamento da pandemia tem funcionado como um momento importante para ficar sozinha e resolver as coisas que já tinha vontade de fazer um dia. Descobrir bonecas guardadas em uma mala e reimaginar as razões pelas quais sempre me senti intrigada por elas e as recolhi. Quando visitei Cuba, cerca de 10 anos atrás, comprei duas bonecas em uma loja de turismo. Fiquei meio surpresa que caricaturas de negros com esse tipo de conotação negativa estivessem sendo vendidas em Cuba. Eu só esperava encontrá-las nos estados insulares menores. É isso que o turista espera como representações de nós mesmos? Os artesãos locais as fabricam e fornecem, por isso deve vender. Promovemos nossas histórias de escravidão e servidão como itens comercialmente viáveis. Estou agora trabalhando em fazer dioramas para as bonecas da Índia Ocidental que venho coletando há anos em minhas viagens pelo Caribe. O trabalho trata da identidade, como nos apresentamos ao mercado turístico e por quê. Além de uma exposição dessas esculturas, gostaria de organizar um fórum com um público de artistas que repensam questões de identidade, o que vende, nosso amor pela nostalgia como assunto.

Wendy Nanan é uma artista de origem indiana, nascida e radicada na ilha caribenha de Trinidade e Tobago.

Nathalia Lavigne é pesquisadora, jornalista e curadora.

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