Conferências
28 Junho 2021 - 29 Junho 2021
MASP / São Paulo, Brasil
Este é o primeiro de uma série de seminários que antecipa o programa do MASP dedicado ao eixo Histórias da diversidade durante todo o ano de 2024. O programa vem incrementar a missão do MASP, um museu diverso, inclusivo e plural, no estabelecimento de diálogos críticos e criativos entre o passado e o presente por meio das artes visuais. Em português, diversidade é um termo que vem intrinsecamente associado com identidades queer e diversidades de gênero, e a noção de histórias – diferente da História – é mais aberta, multívoca, inacabada e não totalizante, abrangendo não apenas relatos históricos, como também histórias pessoais, contos e narrativas ficcionais. Com dois dias de duração, o seminário trata de temas como ativismo queer/trans, uma esfera pública reimaginada e movimentos sociais LGBTTQIA+, tudo isso em conexão com a cultura visual e com as práticas artísticas.
Programação: SEGUNDA, 28.6
11H-11H10 Introdução ADRIANO PEDROSA, diretor artístico, MASP JULIA BRYAN-WILSON, curadora adjunta de arte moderna e contemporânea, MASP
11H10-12H40 NANCY GARÍN GUZMÁN Anarquivos e arquivos como contranarrativas A fala de Nancy Garín Guzmán será centrada nos trabalhos de pesquisa e produção artística nos quais esteve envolvida nos últimos oito anos e, principalmente, na experiência com o Anarchivo Sida [Anarquivo Aids], projeto conduzido junto de Linda Valdés e Aimar Arriola – Equipo Re – em torno da relação da arte e dos movimentos de luta contra o HIV-Aids no Estado espanhol e no Chile. Ela também apresentará duas experiências mais recentes no processo de curadoria: as exposições Archivxs LGTBIQ+ no CAC de Quito (2019) e Gent Positiva do Centre LGTBI de Barcelona (2019). Esses projetos trabalharam a noção de arquivo e foram atravessados pela ideia do queer como resposta e transbordamento de políticas identitárias fechadas. Assim, entende-se o queer como transversal a um amplo espectro de lutas sociais. Esses trabalhos abrem espaço a narrativas negadas ou apagadas que vinculam o aspecto afetivo e pessoal ao político.
C. ONDINE CHAVOYA Revisitando Axis Mundo Esta apresentação revisita a exposição Axis Mundo: Queer Networks in Chicano L.A. que foi inaugurada em Los Angeles em 2017 e viajou para seis outras cidades nos Estados Unidos até 2020. A exposição apresentou a primeira avaliação histórica de obras de arte feitas por artistas chicanes e se concentrou no final dos anos 1960 até o início dos anos 1990. A fala de Ondine Chavoya leva em conta o impacto que a exposição teve nas histórias da arte queer e chicana, mas também mapeia áreas de pesquisa e análise que continuam subdesenvolvidas e merecem maior atenção, recuperação e análise.
JEFFREY GIBSON Cheies de poder porque somos diferentes Gibson discutirá e compartilhará exemplos de suas próprias obras, além de trabalhos de alguns outros criadores indígenas conhecidos e desconhecidos que refletem a inovação e transformação de materiais e de uma estética estrangeira que encontrou seu caminho nas culturas materiais de diversos povos indígenas ao longo dos séculos 18, 19 e 20. Esses materiais e estéticas passam de indicadores coloniais a formas híbridas que incorporam propósitos culturais específicos e permitem a sobrevivência de tradições ancestrais diante de mudanças culturais drásticas e traumáticas. Para Gibson, essas circunstâncias espelham o que foi articulado pelo Manifesto antropófago, publicado em 1928 pelo poeta brasileiro Oswald de Andrade.
14H-16H NICÓLAS CUELLO Sexo e desilusão: linguagens expressivas da negatividade queer no pós-ditadura na Argentina O retorno da democracia na Argentina simbolizou a oportunidade de edificar uma promessa política de possível reparação depois de marcas de violência extrema deixadas pela última ditadura militar (1976-1983). Enquanto projeto, esse período conhecido como primavera democrática, embora tenha conseguido condensar bastante bem as múltiplas fantasias de justiça e os desejos de liberdade arrebatados, viu-se interrompido pela pressão pública de uma subjetividade criada no calor do consenso social antirrevolucionário e dos imaginários conservadores guardiães da tradição eclesiástico-familiar. Diante desse fenômeno, e a partir das margens obscurecidas do surgimento histórico do movimento de direitos humanos protagonizado pelas Mães da Praça de Maio, surge uma nova matriz de ação política alternativa, protagonizada pelo trabalho interseccional de feministas incômodas, dissidentes sexuais, profissionais do sexo, anarquistas transumantes e artistas underground enfurecidos com a hipocrisia do poder político, expressamente distanciados dos projetos utópicos da esquerda tradicional.
CARLOS MOTTA Os quartos dos fundos da história Por meio de sua prática artística, Motta explora narrativas alternativas relacionadas a comunidades marginalizadas no contexto de histórias sociais, com foco em políticas de gênero e sexualidade. Seu trabalho desenvolveu-se ao longo de duas linhas claras: uma que investiga as injustiças políticas e sociais na América Latina, com ênfase e crítica à democracia como forma de governo a partir de perspectivas queer e feministas; e outra na qual ele rearticula narrativas históricas em torno da sexualidade e do gênero desde o período colonial até o presente para traçar genealogias de discriminação. Nesta fala, o artista apresentará exemplos de seus experimentos com fotografia e performance, passando por instalações baseadas em pesquisa documental e de arquivo, até chegar aos filmes e à instalação recente que lidam com sexualidades pré-hispânicas e coloniais, consideradas imorais e ilegais por instituições patriarcais.
MEL Y. CHEN O queer e o viral Nesta fala, Chen examinará a política cultural sexual de contágio, a começar por considerações de tipos de diversidade que se vinculam a diferentes vírus (como o da COVID-19) ou até mesmo poluentes, compreendidos como entidades nocivas cuja transmissão não se dá por via primariamente sexual. Em seguida, passará então à historicização de formas de ódio contra asiáticos relacionadas à COVID-19 nos EUA e em outros locais diaspóricos como um atributo da reprodução de raça. Essas histórias de sexualidade racializada se encontram profundamente emaranhadas com a política de reprodução que cerca o estado de alerta pandêmico.
VITOR GRUNVALD Arte e cruzada sexogenérica: notas sobre o que a arte faz em tempos de repressão Muito se fala sobre como regimes autoritários destroem a arte, ao reprimir e regular expressões artísticas a partir de uma lógica que é tanto amplamente social quanto particularmente institucional. Nesta fala, Grunvald se propõe a pensar o que a arte faz em/para regimes que possuem um viés autoritário na regulação de práticas relacionadas ao campo da arte, tendo como foco o Brasil contemporâneo e a arte que trabalha com questões relacionadas a gênero e sexualidade ou que é mobilizada a partir desses eixos nas discussões públicas. Por meio de alguns casos recentes, ele pretende argumentar que há um emaranhado de instrumentos sociais, digitais, mercadológicos, jurídicos e morais que competem, no âmbito artístico, para a criação de um pânico moral que serve aos propósitos do que alguns têm identificado como cruzada sexogenérica (ou antigênero).
TERÇA, 29.6
11H-12H40 LUIZA FERREIRA LIMA Entre traçados, chamamentos e caminhos: escritas trans reconfigurando o visível Ao longo das últimas décadas, muitas controvérsias acerca da relação entre subjetividades trans, visibilidade e representação têm povoado o campo das artes, da mídia, da academia e da política. Sobretudo a disputa quanto à suficiência, as promessas e as ameaças de se ver pessoas dissidentes da cisnorma em espaços de exposição e prestígio ocupando centralidade. Para além da visibilidade se concretizar ou não, para além de seu avanço ou insuficiência, escritores e escritoras trans convidam a pensar: qual o desenho que se faz do visível, e por meio de quais modelos de autoria? De que modo contar histórias sobre si pode recusar expectativas e desejos de saber, insistir em outros termos de conversa sobre formas generificadas de existir e habitar corpos no mundo? Essa é uma apresentação sobre formas expressivas artístico-políticas que buscam reimaginar realidades em potência e enquadramentos que lhes deem sentido a partir da escavação de histórias silenciadas.
OLIVIA K. YOUNG Negritude e respiração no vídeo digital My Dreams, My Work Must Wait Till After Hell (2011) do duo Girl Nesta apresentação, K. Young irá performar uma leitura aprofundada de My Dreams, My Work Must Wait Till After Hell [Meus sonhos, meu trabalho devem esperar até depois do inferno], um vídeo digital de 2011 feito pelo duo Girl (Simone Leigh e Chitra Ganesh). Ao realçar o termo analítico de distorção, ela revela os modos complicados por meio dos quais esse objeto de arte desfaz materialmente a relação entre o âmbito visual e o sonoro por meio da respiração e, ao fazê-lo, acaba revelando e subvertendo importantes táticas não visuais de objetificação racial. De modo geral, o seu projeto visa reavivar paradigmas alternativos para uma cuidadosa análise da arte contemporânea negra e ativar uma palavra-chave até então esquecida. Compreendido frequentemente de maneira equivocada, esse vídeo digital costuma ter seus códigos visuais excessivamente determinados por críticos, deixando escapar expressões delicadas de relacionalidade sensorial e outros objetivos centrais do trabalho, como K. Young irá argumentar nesta apresentação.
GRUPO MEXA, LUIZA BRUNA Eu não sou uma personagem – diário coletivo de uma artista O MEXA atua, principalmente, a partir de relatos pessoais. Ainda que nas apresentações se fale em nome de um grupo, são histórias individuais que criam as narrativas dos trabalhos. Por isso, mesmo que se busque uma voz coletiva, é inevitável que existam disputas internas, discordâncias e diferentes posições. Mas, ao se apresentar em nome de outros, como separar a biografia do grupo das autobiografias daquelas que o compõem? Como os anseios individuais podem ser colocados em cena, partindo de bandeiras que são compartilhadas? Aqui, Luiza Bruna falará pelo MEXA. Luiza, além de performer, foi a primeira funcionária transexual do MASP, contratada como orientadora de público. Agora ela retorna à instituição como artista. A partir da história pessoal de Luiza, o MEXA discute sua própria trajetória, enquanto coletivo que se inicia na rua formado por pessoas em situação de vulnerabilidade e, pouco a pouco, passa a ocupar espaços institucionais, debatendo as distâncias e proximidades entre a rua e o museu, a vida e a arte, a política e a estética.
14H-16H E. PATRICK JOHNSON Revival Camp: raça, gênero e performance na igreja negra Esta apresentação se presta à discussão da espiritualidade negra em relação à igreja negra e faz coro aos revivals religiosos tão comuns entre evangélicos negros do sul dos EUA, além de iniciar uma discussão sobre a performance camp para além de uma genealogia da diversidade branca. Em última análise, a apresentação sugere o conceito de camp como algo que já veio sempre embutido no “enviadescimento” da igreja negra, o que facilita a transgressão de gênero e identidade sexual de caráter hegemônico e prescrito num local onde uma expressão desse tipo é tabu e policiada, pelo menos na superfície.
VIRGINIA DE MEDEIROS Outra forma de dizer “eu” A religião procura espiritualizar a pulsão sexual, doando um sentido para o sexo, mas o desejo não responde a nenhuma finalidade cultural exterior à sua própria satisfação. Há aí uma tensão insolúvel, os eleitos vivem esse conflito interno: as pulsões de desejo e a atenção constante em inscrever o sexo no campo do sentido. O direito e a religião neutralizam as possibilidades indenitárias, protocolizam normativos de conduta, a questão de sexualidade é o pano de fundo de questões religiosas. Que subjetividade é essa que está implicada nas manifestações religiosas que articulam e sustentam os laços sociais? Esta apresentação parte do filme Sergio e Simone (2007-2014), que contrapõe duas identidades da mesma pessoa: a travesti Simone, que cultua seus Orixás em uma fonte pública de Salvador, e Sergio, o pregador evangélico em que Simone se torna após uma experiência de quase morte. O personagem torna-se, ele mesmo, território de disputa entre dois sistemas religiosos que brigam pela fé na Bahia.
TAVIA NYONG’O Nós não precisamos de outro herói: a contraprova da impressão corporal As impressões corporais (1968-1979) de David Hammons traçam uma linha de fuga artística que serviu como resposta colaborativa a um ponto de inflexão de uma década de duração na “longa emancipação” (Rinaldo Walcott) de povos negros da diáspora. Essas impressões acumulam camadas de raiva, desespero e esperança estrangulada, indexando um registro do afeto negro que é movido a agir de maneira explosiva e, em seguida, desaparecer de maneira estratégica e repentina. À medida que as impressões corporais se acumulavam, ganhou forma uma obra artística à qual o artista respondeu eventualmente com um gesto de autocancelamento, que podemos associar tanto com a fugitividade, segundo Fred Moten, quanto com os poderes de criação de mitos zombeteiros, de acordo com Ralph Ellison. Com base na sugestão de Kellie Jones de que se pode entender Hammons e o círculo mais amplo das artes negras em Los Angeles como uma iniciativa de buscar uma contranarrativa a seu tempo, esta fala explora a possibilidade de considerar a impressão corporal como uma contraprova.
ÉRICA SARMET Uma paciência selvagem nos trouxe até aqui: o corpo lésbico como dispositivo de escavação e invenção da memória O contato com a história é um encontro entre corpos. Apesar dos buracos e demolições, a memória queer penetra as fendas do tempo e chega até aqui por meio da arte. Nesse movimento, transforma-se em sentimento de pertencimento que conecta experiências diversas a partir de um modo de vida comum. Assim, filmes e obras de artistas lésbicas integram “arquivos de sentimentos” (Cvetkovich, 2003) pessoais e coletivos; mais do que ensinar uma história que nunca foi contada, eles possibilitam senti-la. Hoje, a existência de arquivos LGBTTQIA+ estabelecidos no Norte Global facilita o acesso de artistas a esses registros, mas como fazer diante da ausência ou escassez desses espaços? Aqui, Sarmet propõe uma conversa sobre memória, corpo e sensação a partir do trabalho de cineastas e artistas visuais como Barbara Hammer, Cheryl Dunye e da experiência com imagens de arquivo em seu mais recente filme, Uma paciência selvagem me trouxe até aqui (2021).
O seminário terá transmissão online e gratuita através do perfil do MASP no YouTube, com tradução em inglês e libras.
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