Conversa com Paula Nascimento

Colocando o dedo na ferida

A artista Mónica de Miranda e a curadora Paula Nascimento têm trabalhado juntas há anos. Seus últimos projetos as levam de volta a Angola, onde Miranda explora narrativas em torno do Hotel Panorama, em Luanda, assim como conceitos de propriedade e poder. Paula Nascimento fala à C& sobre as sutilezas da arte de Miranda, sinfonias arquitetônicas e espaços coloniais.

C&: Para esse projeto, vocês tiveram que lidar com temas que abordam a coexistência de realidades e objetos contraditórios.

PN: Para mim, uma das coisas mais fascinantes na obra de Mónica é a sutileza. O que quero dizer é que nada é muito óbvio. As fotografias têm uma certa exuberância, mas não de maneira muito óbvia. Assim, todos os seus significados e camadas de significado vêm à tona, porque a obra nos mantém refletindo sobre eles. A coabitação entre natureza e funções arquitetônicas funciona quase como se elas fossem duas amigas fadadas a um mesmo destino. Normalmente a arquitetura apaga a natureza, ou vice-versa, e há sempre uma tensão entre elas.

C&: O que você pode dizer sobre o trabalho “Dó” em particular, e em que amplitude ele influenciou o posicionamento da exposição no museu de maneira geral?

PN: O trabalho foi concebido especificamente para esta exposição, para este lugar. “Dó” é uma videoinstalação realizada ao longo dos últimos dois anos. Tive o privilégio de acompanhar todas as fases e passos, do momento em que foi concebida a seus primeiros cortes, até que o trabalho, como está hoje, fosse concluído e montado na galeria.

C&: O título do trabalho, “Dó”, evoca a pena e a dor associadas à visualização da destruição arquitetônica e do poder da luta para sobreviver a isso.

PN: Gosto de pensar em “Dó” como uma sinfonia da cidade, qualquer cidade, realmente. Acabou sendo Luanda e Malange, porque são lugares onde viveu a mãe da artista. É uma espécie de homenagem fílmica a esses espaços. Mas, enquanto a exuberância visual nos transporta até lá, ao mesmo tempo há uma certa tristeza e nostalgia, pela perda. Como pode ser que, enquanto acompanham as transformações da cidade, vendo sua modernização, os jovens tenham ao mesmo tempo que viver com um legado suspenso: é como se as imagens estivessem suspensas entre ser ou não parte da história, entre abraçar a decadência ou criar estratégias para sobreviver.

C&: Como você situa o trabalho de Mónica como artista e também como produtora cultural, no contexto da arte contemporânea angolana e suas diásporas?

PN: Acho que, no caso dela, uma coisa tem inevitavelmente a ver com a outra. Mónica de Miranda encaixa-se bem nessa pequena diáspora ou no grupo de artistas que são mais internacionais. No entanto, eu normalmente não uso o termo diáspora. Sempre uso a expressão “artistas em trânsito”, mesmo que alguns deles residam fora do país. Isso porque, em essência, são artistas em trânsito, cujas obras estão situadas no espaço intermediário entre Portugal e Angola, entre o que é passado e o que é futuro, entre o que é história e o que é presente. Eles abordam sua arte de formas muito distintas – alguns de forma mais local, outros em diálogo com o global.

C&: Se, em 2013, você tivesse colocado o projeto “Panorama”, de Mónica de Miranda, em uma sala anexa à exposição de Edson Chagas “Luanda, cidade enciclopédica”, como isso teria funcionado para você?

PN: É engraçado, nunca tinha pensado nessas duas exposições juntas, mas é um exercício fantástico. Acho que, formalmente, são muito similares na forma como fotografam, muito próximas. Claro, há questões técnicas, de enquadramento, tipo de imagem, tipo de objeto que os artistas escolheram para fotografar. Mas, apesar dos diferentes resultados alcançados, são muito próximas.

Por outro lado, se eu fosse imaginar as duas exposições agora, uma seria a introdução e a outra a conclusão: o tema é recorrente. O que me interessou no trabalho de Edson Chagas, especificamente, foi sua tentativa de reconfigurar o relacionamento com espaços através dos objetos que estão dentro do trabalho; e aqueles que conhecem muitos desses espaços, sabem que eles são coloniais.

Mónica está interessada no momento do confronto, no momento no qual, como espectadores, temos que colocar o dedo na ferida e pensar sobre como saímos daqui, como seguimos em frente. É um trabalho contínuo e uma das minhas obsessões.

 

Paula Nascimento nasceu em 1981 em Luanda, Angola, onde atualmente vive e trabalha. É arquiteta e curadora com formações na Architectural Association School of Architecture e na Universidade LSB, em Londres. Nascimento colaborou com projetos no Porto e em Londres antes de fundar, com Stefano Pansera, a Beyond Entropy Africa, em 2011 – uma rede de coletivos de pesquisa que atua nos campos de arquitetura, urbanismo, artes visuais e geopolítica.

Adriano Mixinge (Luanda, 1968) é historiador da arte, curador, crítico de arte e, atualmente, gerente executivo do MAAN – Memorial Antonio Agostinho Neto, em Luanda (Angola).

Traduzido do inglês por Soraia Vilela

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