Exposiciones
26 agosto 2022 - 30 octubre 2022
MASP / São Paulo, Brasil
Denilson Baniwa (Barcelos, Amazonas, Brasil [Brazil], 1984). Natureza morta 1, 2016. Fotografia digital, edição e impressão digital sobre papel, 146 x 103 cm. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Doação anônima, no contexto Histórias da dança, 2020. Foto: Denilson Baniwa
O MASP – Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, por ocasião do bicentenário da independência do Brasil, exibe, de 26 de agosto a 30 de outubro de 2022, a mostra coletiva Histórias brasileiras, que ocupa o 1º andar e 2º subsolo da instituição. A exposição tem direção curatorial de Adriano Pedrosa, diretor artístico, e Lilia Moritz Schwarcz, curadora convidada, e curadoria de Tomás Toledo, Clarissa Diniz e Sandra Benites, além de diversos curadores da instituição: Amanda Carneiro, curadora assistente, André Mesquita, curador, Fernando Oliva, curador, Glaucea Britto, curadora assistente, Guilherme Giufrida, curador assistente e Isabella Rjeille, curadora.
Dando continuidade às exposições dedicadas às histórias no MASP, que acontecem desde 2016, com Histórias da infância (2016), Histórias da sexualidade (2017), Histórias afro-atlânticas (2018), Histórias das mulheres, histórias feministas (2019) e Histórias da dança (2020), a nova mostra dessa série oferece novas narrativas visuais, mais inclusivas, diversas e plurais, sobre a história do Brasil. Tais abordagens são evidentes nas próprias estruturas curatoriais dessa série que trazem uma diversidade de vozes não somente no corpo de artistas e de obras, como também curatorial.
A mostra reúne cerca de 380 trabalhos – sendo 24 inéditos – de aproximadamente 250 artistas e coletivos que contemplam diferentes mídias, suportes, tipologias, origens, regiões e períodos, do século 16 ao 21, organizados em 8 núcleos temáticos: Bandeiras e Mapas, Festas, Mitos e Ritos, Paisagens e trópicos, Rebeliões e revoltas, Retomadas, Retratos e Terra e território. Neste contexto, a perspectiva privilegiada não é tanto a da história da arte, mas a das histórias sociais ou políticas, íntimas ou privadas, dos costumes e do cotidiano, a partir da cultura visual, expressando um caráter mais polifônico e fragmentado, fugindo de uma visão definitiva, canônica ou totalizante.
Para compreender a exposição, é importante ressaltar o significado particular das “histórias” em português, que engloba tanto a ficção como a não ficção, relatos históricos e pessoais, de carácter público e privado, e, portanto, possuem uma qualidade mais especulativa, aberta, processual do que a noção tradicional de história.
Dividida entre o 1° andar e 2° subsolo do museu, a exposição inicia-se no 1° andar com o núcleo Bandeiras e Mapas, com curadoria de Lilia Moritz Schwarcz e Tomás Toledo, que pretende friccionar, contestar e investigar os emblemas pátrios, criando relações entre representações mais tradicionais e oficiais desses símbolos com apropriações críticas evidentes, sobretudo, na produção artística contemporânea. Na obra Bandeira afro-brasileira, 2022, por exemplo, o artista Bruno Baptistelli (São Paulo, 1985), altera as tonalidades da flâmula nacional para convertê-la numa bandeira afro-brasileira, em oposição àquela elitizada e embranquecida, cujas cores aludem à casa imperial de Habsburgo e Bragança e o dístico “Ordem e progresso”.
A paisagem, gênero destacado na hierarquia acadêmica e formulado no século 18 na Europa, serviu muitas vezes, na tradição ocidental, como representação da nacionalidade. No Brasil, a pintura de paisagem converteu os trópicos num prolongamento da idealização europeia sobre a natureza e buscava demonstrar uma suposta pureza. A fim de ampliar esses pressupostos, o núcleo Paisagens e trópicos, com curadoria de Guilherme Giufrida e Lilia Moritz Schwarcz, aborda certos temas e conceitos no interior desse gênero. Dentre a seleção, destacam-se as pinturas Paisagem com jiboia, 1660, de Frans Post (Haarlem, Holanda, 1612 -1680), que apresenta uma paisagem de referências europeias no meio das Américas e a fotografia Natureza morta 1, 2016, de Denilson Baniwa (Barcelos, Amazonas, 1984), que traz a silhueta de um indígena morto delineada sobre a floresta amazônica, explicitando a devastação da mata realizada por gerações de invasores aos territórios indígenas.
A partir do entendimento de que as Histórias Brasileiras se passaram e se passam em território indígena, o núcleo Terra e território, com curadoria de Adriano Pedrosa e Isabella Rjeille, aborda algumas das diferentes formas de relação com a terra e as disputas por território desde a invasão portuguesa em 1500 e seus impactos humanos, climáticos, econômicos, cosmológicos e culturais. Na carta ao Rei de Portugal Dom Manuel (1469-1521) no século 16, Pêro Vaz de Caminha (1450-1500) fez essa afirmação acerca da riqueza das águas e do clima desta terra: “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”. A missiva prenuncia a exploração de culturas agrícolas como as do açúcar, do tabaco, do café, do algodão, entre tantas outras, pelo sistema escravista, e é evocada neste núcleo pela obra de Jaime Lauriano (São Paulo, 1985), Nessa terra, em se plantando, tudo dá (2015). A ficção colonial que imaginou esta terra como uma “tabula rasa” e sua natureza como a “virgem” à espera da exploração comercial é questionada pelos trabalhos reunidos aqui.
O núcleo Retomadas, com curadoria de Clarissa Diniz e Sandra Benites, lança luz sobre o processo histórico das retomadas físicas, como de territórios por povos indígenas e movimentos sociais, políticos, simbólicos, ontológicos e espirituais, e destaca o tempo presente como o momento da restituição, da reparação e, principalmente, da recriação de direitos, valores e sentidos. “O prefixo “re-” que ética e politicamente demarca as retomadas não indica um resgate ou um retorno a um ponto supostamente anterior à invasão colonial. Distante da dimensão nostálgica e fetichista da própria colonialidade, retomar é também criar, ficcionalizar, transformar”, afirmam as curadoras. A exemplo desta ressignificação, destaca-se no núcleo a obra Monumento à voz de Anastácia, 2019, de Yhuri Cruz (Rio de Janeiro, 1991), que se apropria da representação colonial de Anastácia — uma mulher escravizada e torturada, obrigada a utilizar um grilhão e uma máscara de flandres até sua morte —, restituindo-lhe uma boca.
A coletiva continua no 2° subsolo do MASP com Retratos, núcleo com curadoria de Adriano Pedrosa e Lilia Moritz Schwarcz. Nele são justapostas representações de vozes não notabilizadas, como indígenas, negras e ativistas, e retratos icônicos da história brasileira, através de autorretratos ou representações de figuras de poder de diferentes períodos. A partir das dimensões identitárias contemporâneas, o núcleo pretende explorar como é possível reler a tradição de uma forma mais viva e diversa.
Representações visuais de insurreições, levantes e movimentos contestatórios, produzidos ao longo da história nacional, ganham destaque no núcleo Rebeliões e revoltas. O conjunto de obras, de curadoria de André Mesquita e Lilia Moritz Schwarcz, pretende revisar e questionar as narrativas oficiais da arte e da política, opondo-se ao mito de um país pacífico e sem guerras. Seu objetivo é uma contra-história. A palavra “Lute” aparece de forma reiterada neste núcleo. Ela surge, por exemplo, na impressão serigráfica A Luta (2018-19), de Santarosa Barreto (São Paulo, 1986), reiterando incansavelmente a necessidade urgente de criar estratégias de militância a partir dos feminismos e do engajamento de artistas contra o silenciamento diante desses ativismos.
Fazem parte também das histórias brasileiras, aquelas pautadas pelas práticas religiosas que se desenvolveram no país desde o século 16, a partir do contato e cruzamento entre os sistemas cosmológicos dos povos tradicionais indígenas, dos povos tradicionais africanos e do catolicismo popular. Essa multiplicidade ganha corpo no núcleo Mitos e ritos, com obras selecionadas pelos curadores Fernando Oliva, Glaucea Britto e Tomás Toledo. “O núcleo não se propõe a apresentar a totalidade das manifestações relacionadas às religiosidades brasileiras através da arte, dada sua diversidade e complexidade, mas lançar luz sobre certos aspectos de ordem formal, assim como filosófica e social, que conectam tais práticas no tempo e no espaço, seja pela história, pela forma, ou pelo fundamento”, explicam os curadores.
Tradição e inovação, afetividades e performatividade de gênero, disputas e contradições, massa e multidão constituem tema das representações e dos significados das celebrações brasileiras, presentes no núcleo que encerra a exposição, intitulado Festas. Com curadoria de Amanda Carneiro e Adriano Pedrosa, os trabalhos apresentados oferecem possibilidades de adentrar as amplas, diversas e contraditórias maneiras de celebrar de distintos grupos, territórios e gerações. Destaques para a navalha da Madame Satã, símbolo da boemia aprisionado pelo acervo da polícia civil e para a obra Sem título, 1968, de Maria Auxiliadora, que representa um baile “black” privado, com encontros amorosos e afetivos, bem como danças em pares.
A programação ao longo da exibição da mostra inclui ainda encontros voltados para a formação de educadores e interessados, com os temas Educação para a diversidade e O futuro é idígena, palestras com Kássia Borges, Paulo César Garcez Marins e Arissana Pataxó, diálogos no acervo entre obras com pelo menos um artista brasileiro, como Victor Meirelles, Moema, 1866 + Denilson Baniwa, Natureza Morta 1, 2016 e Ismael Nery, Desejo de amor, 1932, Ismael Nery, Autorretrato Rio / Paris, 1927*. Ainda como parte da programação serão desenvolvidos vídeos comentados das obras de Flávio Cerqueira e Judith Lauand.
MASP Avenida Paulista, 1578, Bela Vista. São Paulo/SP, Brasil Visitação: terça grátis, das 10h às 20h (entrada até as 19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às segundas.
www.masp.org.br