Conversa com Catherine E. McKinley

“Reuni essas imagens não apenas para mim, mas para vocês”

Ethel-Ruth Tawe conversa com a autora de The African Lookbook: A Visual History of 100 Years of African Women (O livro de “looks” africanos: uma história visual de 100 anos de mulheres africanas) sobre arquivos de fotos, o olhar feminino e tradições masculinas de estúdio.

C&: Por que você acha que existe uma lacuna de conhecimento sobre mulheres africanas fotógrafas? E quais são as ramificações disso?

Catherine McKinley: É realmente importante que estabeleçamos um registro artístico histórico claro e completo, especialmente porque uma quantidade desproporcional dos conteúdos de arquivos está preocupada com o corpo feminino. Recentemente, a fotógrafa ganesa Felicia Abban recebeu as honras de “primeira” fotógrafa profissional do país. Há uma ausência tão absoluta de registros de suas antepassadas e contemporâneas que a reivindicação é muito passivamente aceita. No entanto, como ela não afirmou ser uma artista, da maneira como falamos de James Barnor ou seus contemporâneos, onde ela se situa em relação à noção de gênero do artista? E em relação ao fato de que há evidências históricas da existência de mulheres donas de estúdios, como Carrie Lumpkin, da Nigéria, que eram comerciantes e podem não ter empunhado a câmera elas mesmas?

Muitas vezes, olhando para o trabalho de fotógrafas africanas contemporâneas, senti que elas se beneficiaram com o fato de não emergirem tão conscientemente da tradição masculina de estúdio. Estou pensando em Patricia Coffie, Zina Saro-Wiwa, Zanele Muholi, Fatima Tuggar, Fatoumata Diabaté e Ruth Ossai. Mesmo quando se dedicam ao retrato, seu trabalho é lúdico e inventivo, inovador em termos de forma e conteúdo, bem como de busca de futuro – enquanto muitos fotógrafos homens ainda parecem ligados ao passado e a alguns de seus aspectos rígidos.

C&: Como seu novo livro traça histórias da fotografia na África e a relação entre quem fotografa e quem posa?

CM: Logo após a chegada da câmera ao continente, por volta de 1863, empresários africanos e descendentes de pessoas que haviam sido escravizadas e levadas ao Brasil e às Américas assumiram o comércio, muitas vezes trabalhando de forma itinerante ao longo de rotas comerciais costeiras tão distantes quanto o Senegal e Angola, e no Sahel. O livro explora a política do estúdio, desde as maneiras como a fotografia pretendia ferir e controlar, até o papel mais relevante, lúdico e honorífico que as visitas aos estúdios desempenhavam nas vidas das mulheres africanas que posavam como modelo.

Como não sabemos o ano exato em que as mulheres africanas começaram a empunhar a câmera, só conhecemos as histórias das poucas mulheres que mencionei. Sabemos que a existência de uma massa crítica de mulheres artistas africanas só foi reconhecida no final dos anos 1990. Então, quando examinamos essas fotos, também devemos examinar as relações de poder entre quem fotografava e quem posava nos estúdios africanos e naqueles pertencentes a africanos que viviam na Diáspora.

C&: Você afirma que a coleção exibida pelo seu livro se refere, em grande parte, à região do Sahel e àquela que muitos chamam de Afro-Atlântico. Por que você acha que tantos dos primeiros registros estão centrados na África Ocidental?

CM: Na minha visão, os primeiros contatos europeus na África Ocidental seguem as primeiras histórias do comércio colonial e, portanto, faz sentido que a tecnologia tenha assumido uma posição de liderança nessas regiões. O Senegal é um dos primeiros lugares que testemunharam uma incrível proliferação de estúdios. Os primeiros fotógrafos africanos parecem ter chegado em Dakar e St. Louis via Guiné e Serra Leoa, mas não sei por quê. Eles eram um pouco itinerantes, ou seminômades, mas a verdade é que sabemos muito pouco sobre essa história.

C&: Na introdução do seu livro, você diz: “Reuni essas imagens não apenas para mim, mas para vocês, e também para quem reformulou o uso da câmera e a reivindicou como sua”. Você pode elucidar isso melhor? Por que escolheu chamar o livro de lookbook?

CM: Escolhi lookbook por várias razões. Pela óbvia referência à moda e ao tipo de narrativa hegemônica com que o Ocidente apresenta a moda. A moda africana não se encaixa nisso porque, em grande parte, não obedece à ideia de que moda é apenas “um look”.

Quando criança, eu adorava me vestir e sempre fui “diferente” em relação a um mundo muito conservador. Minha mãe era desafiadora das normas de gênero e achava que as roupas deveriam ser bem-feitas e práticas, antes de qualquer outra coisa. No verão em que comecei o ensino médio, fugi da cidade em que vivia para Boston e gastei todo o meu orçamento de roupas em sapatos vermelhos bicudos de pele de cobra, um imenso suéter vermelho, rosa e azul de mohair. Nunca mais vi um centavo para roupas durante a maior parte daquele ano, e então usei como uniformes essas poucas que havia comprado. Minha mãe me ensinava sem parar sobre frugalidade e “substância” – sobre encontrar sentido nas coisas, em vez de ser “uma flor”. Acho que isso explica por que a moda africana como um meio de entender a história se apoderou tanto de mim. Ambas as ideias estão profundamente inscritas nela.

Então, ao longo dos anos, tenho ouvido amigas e amigos – especialmente artistas – questionando minha “prática”, porque investi a maior parte do tempo em mercados e alfaiatarias, em quartos de tias mais velhas e em qualquer situação “habitual” que fosse possível testemunhar. Podia parecer que eu estava fazendo compras e socializando, mas eu estava fazendo pesquisa primária – uma prática perdida. Assim, o livro é um pouco uma homenagem a tias, costureiras, comerciantes, à minha mãe – cuja insistência aprecio hoje – e a camaradas.

Ethel-Ruth Tawe (nascida em 1994, Yaoundé, Camarões) é uma artista multidisciplinar e editora que explora a identidade africana e as culturas da Diáspora através da contação de histórias visual. Concepções cíclicas do tempo são centrais para sua prática, que examina os antigos futuros da África a partir de uma lente realista mágica. Fazer imagens, contar histórias e viajar no tempo compõem a estrutura de sua investigação. Ethel-Ruth Tawe possui um mestrado em Estudos do Desenvolvimento pela SOAS University of London e um mestrado (Hons) em Direitos Humanos Internacionais com especialização em História da Arte & Crítica.

Veja aqui a lista completa de produtoras africanas de imagens. 

Tradução: Cláudio Andrade

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