Jamaica

As tecnologias espirituais do marronismo jamaicano

Ouvires de formação e residente de Trindade e Tobago, Thomas-Girvan combina escultura, folclore e sensibilidade material para explorar o legado multifacetado do marronismo. Suas instalações são como arquivos vivos e instrumentos espirituais, oferecendo ferramentas de memória e reparação.

Para Thomas-Girvan, memória é arqueologia, e magia não é uma força sobrenatural, mas ancestral. Suas assemblagens recolhem fragmentos do passado caribenho e os reimaginam em formas que parecem, ao mesmo tempo, cerimoniais e subversivas. Ela se inspira tanto no folclore da região quanto na observação atenta da flora e fauna locais. Ao fazer isso, ela revela e entrelaça histórias de resistência e sobrevivência. Nesse sentido, sua prática vai além da preservação da memória—ela nos reorienta para uma maneira mais relacional de existir.

Fugitive Pathways (2024), sua mais recente exposição individual no New Local Space (NLS), em Kingston, com curadoria de Rianna Jade Parker, tratou do legado multifacetado do marronismo. A mostra se baseou no tempo que a artista esteve em Maroon Town, na Área Protegida de Cockpit Country, em St. James, Jamaica A exposição girou em torno das histórias específicas e tecnologias espirituais de comunidades maroons na Jamaica. Por meio de figuras dinâmicas e cenas carregadas de sentido, Thomas-Girvan traduz a memória herdada em linguagem escultórica—conectando passado, presente e futuro através do arco contínuo da linhagem afro-caribenha.

Em Resistance Science, Jasmine Thomas-Girvan constrói uma caixa de sombra que transporta o público para uma floresta tropical banhada por um degradê vibrante em azul elétrico. A folhagem, recortada com precisão e reverência, compõe um cenário de palmeiras, bambus e outras árvores representadas em preto intenso, evocando exuberância e clausura. Suspensa no alto, uma fava de alibe, semente redonda de tom terroso—também conhecida como semente de Erva do Sonho Africana—atua como talismã, onde uma teia de aranha foi delicadamente talhada. Ela pende de uma corrente (ou fio) fina de metal segurada por dedos de bronze. Abaixo, um triângulo de bronze—lembrando uma bússola ou ponta de flecha—flutua no ar, preso por uma corrente delicada a uma pequena aranha que paira logo acima do chão. Trata-se de uma referência evidente a Anansi, figura africana brincalhona (trickster), símbolo ancestral de astúcia e sabedoria conquistada. Na base, figuras sombreadas sugerem presenças humanas—ou talvez lápides—ambíguos marcadores de memória. A floresta, então, se revela como espaço de testemunho. A natureza, como agente e como arquivo.

Resistance Science e outras obras desta série de sete dioramas envolvem jogos de sombra, formas suspensas e detalhes minuciosamente talhados, tornando o público cúmplice através do processo de decodificação. A obra se transforma em cifra de saberes de sobrevivência, transmitidos por meio do fazer manual e do ocultamento. A composição se equilibra na tensão: entre opacidade e revelação, ciência e ritual, o que sabemos e o que não sabemos.

E então há os materiais: madeira flutuante, arame, cabaça, metais preciosos, papel feito à mão, penas. Thomas-Girvan é ao mesmo tempo construtora (bricoleur) e filósofa. Ela não utiliza materiais apenas por seu apelo estético, mas por sua ressonância. Essa sensibilidade material—essa confiança na agência dos objetos—confere à sua obra um caráter sagrado. “Interessada na beleza da nuance” e usando-as como ferramenta*, ela escava, transforma e reativa. Seu uso de materiais naturais e reaproveitados molda uma forma de estar em relação com a terra, a memória e o tempo. Sementes sugerem saberes geracionais. Espelhos sugerem fragmentação e reflexão. O trabalho em metal sugere tempo, história e permanência da presença.

Em uma região frequentemente marcada por rupturas, apagamentos e pela mercantilização da cultura, a obra de Thomas-Girvan é o seu próprio caminho fugitivo. Com exposições como Window on Memory (Cohen Gallery, Rhode Island, 2023), Bathed in Sacred Fire (Kunstinstituut Melly, Roterdã, 2021–2022), e obras como Beyond Time and Space e The Healing Stream, é evidente sua recusa em achatar ou simplificar as noções de Caribe. Em vez disso, ela constrói arquivos vivos—objetos que respiram, que lamentam, que evocam a lembrança.

Seu trabalho, meticuloso e enraizado na alma, não passou despercebido. Thomas-Girvan é a única artista a receber duas vezes o Prêmio Aaron Matalon, concedido por sua contribuição notável à Bienal da Galeria Nacional da Jamaica, em 2012 e 2017. Também foi agraciada com o Commonwealth Foundation Arts Award em 1996 e com a Medalha Musgrave de Prata do Instituto da Jamaica, em 2014—reconhecimentos que reafirmam seu lugar como uma das artistas mais vitais e visionárias do Caribe.

A obra de Jasmine Thomas-Girvan—seja na forma de objetos minuciosamente elaborados ou de instalações multimídia expansivas—mapeia o terreno psíquico e espiritual do Caribe. Mais do que mapas da dor, da beleza e da sobrevivência, cada peça que ela cria é um instrumento cosmológico, sintonizado com presenças invisíveis e forças não vistas que nos moldam. Sua obra nos convida a lembrar as jornadas que percorremos muito antes de cada uma de nossas chegadas à Terra. A rastrear as linhas invisíveis que nos conectam às estrelas, à terra e ao mito. Ao nos sintonizar com as frequências silenciosas da presença ancestral, sua criação nos lembra que a reparação—do espírito, da história, da terra—não é apenas possível, mas necessária.

Nneka Jackson é escritora, estrategista cultural e advogada com foco em propriedade intelectual, economias criativas e equidade cultural. Trabalha com artistas, organizações e ecossistemas na promoção do crescimento sustentável. Como escritora, seus temas incluem memória diaspórica, identidade, folclore e possibilidades radicais.

Nneka Jackson participou da oficina de escrita crítica JAS x C& em Kingston, Jamaica, em 2024.

Tradução: Jess Oliveira

* Jasmine Thomas-Girvan, Jasmine Thomas-Girvan: Bathed in Sacred Fire, YouTube, [timestamp], posted by Kunstinstituut Melly, September 7, 2021, https://www.youtube.com/watch?v=tfHWa1SUp3o&t=6s.

 

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