Conversa com Naine Terena

“A arte funciona como instrumento de luta para os indígenas”

A artista visual, professora universitária e curadora Naine Terena analisa a produção contemporânea de artistas indígenas no Brasil e fala sobre a exposição “Véxoa: Nós Sabemos”, que acontece na Pinacoteca de São Paulo e da qual ela assina a curadoria.

C&AL: Em 2016 e 2019, os artistas indígenas Jaider Esbell e Denilson Baniwa venceram, respectivamente, na categoria online, o Prêmio Pipa, um dos mais importantes do país. No ano passado (2020) Isael Maxakali ganhou na categoria voto popular. A arte indígena está “na moda”?

NT: Há de fato um grande interesse pela produção contemporânea indígena no momento, mas fico muito preocupada com essa ideia de moda, porque ela implica em algo que pode ser descartado após perder a novidade. Para evitar que isso aconteça, a arte indígena precisa não apenas estar presente em exposições temporárias, como também ser incorporada ao acervo permanente das instituições.

A Pinacoteca de São Paulo, por exemplo, fundada em 1905, só incorporou obras de indígenas a seu acervo permanente em 2019, quando adquiriu trabalhos de Denilson Baniwa e Jaider Esbell. Esse é um processo que passa também pela educação, que precisa estar nos livros didáticos das crianças e também na academia. Hoje há muita gente produzindo pesquisa sobre a arte indígena contemporânea nas universidades. São pesquisadores de várias origens, não necessariamente indígenas, e não apenas na antropologia, como também nas artes visuais. Isso precisa continuar com cada vez mais força.

C&AL: Qual é o papel desempenhado pelo curador indígena na arte contemporânea?

NT: No meu entender, esse curador tem origem indígena, mas não trabalha apenas com a questão indígena. Eu mesma pesquiso outros assuntos, como as questões da mulher e da infância. Não gosto de ficar presa a rótulos. Agora, vejo a curadoria como um ato político, sobretudo no Brasil de hoje, quando os direitos dos povos indígenas vêm sendo constantemente ameaçados pelo governo federal. A arte funciona como instrumento de luta para os indígenas. Cabe à curadoria dar visibilidade a essa produção efervescente e levá-la ao maior número de pessoas.

C&AL: Quais recortes você buscou para a exposição “Véxoa – Nós sabemos”?

NT: Há cerca de dois anos, quando participei de um seminário sobre o pensamento decolonial na Pinacoteca de São Paulo, indaguei porque a instituição não possuía uma única obra de artista indígena em seu acervo. Naquela oportunidade, disse que via ali várias representações de indígenas em obras de arte, mas nenhuma delas feita pelo próprio indígena, e que, portanto, não me sentia representada por aquilo. Meses depois fui procurada pela Pinacoteca para fazer a curadoria de uma exposição sobre a produção contemporânea de artistas indígenas. Selecionei 23 nomes de diferentes etnias e regiões do país, entre coletivos e artistas independentes, que trabalham com esculturas, objetos, vídeos, fotografias e instalações.

E busquei, sobretudo, respeitar o lugar de fala e os anseios de cada um desses artistas. Como a ideia foi traçar uma linha do tempo, também olhei para o passado recente e trouxe os desenhos produzidos a partir da década de 1970 pelo Pajé Gabriel Gentil Tukano (1953-2006), que viveu no Amazonas, além de pinturas feitas na década de 1990 pelo grande pensador indígena Ailton Krenak, de Minas Gerais. Para mim foi uma surpresa descobri-lo como artista. Há também artistas jovens, como Tamikuã Txihi [integrante da comunidade Tekoa Itakupe, Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo]. Ela expõe as esculturas Áxiná (exna), Apêtxiênã e Krokxí, que em 2019 foram alvo de vandalismo em uma exposição de arte indígena na cidade de Embu das Artes (SP).

C&AL: Quais são seus próximos projetos?

NT: Participo do projeto OPY, realizado junto com a Casa do Povo, Pinacoteca de São Paulo e aldeia Tekoa Kalipety (SP), do povo Guarani Mbya, que propõe uma série de ações para decolonizar as instituições ligadas à arte. A mostra Véxoa é uma delas. Para 2021 está previsto um ciclo de debates sobre a produção de artistas indígenas contemporâneos na Casa do Povo [centro cultural independente na cidade de São Paulo]. Além disso, por meio de um edital regional em Mato Grosso, todo meu acervo de pesquisa sobre as questões indígena, feminina e da infância será disponibilizado em um repositório digital em 2021. Meu nome foi sugerido por um grupo de profissionais que de alguma maneira se sentiu influenciado pelos meus trabalhos, o que me enche de alegria.

Ana Paula Orlandi é jornalista e mestre pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

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